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Rodrigo Santoro fala sobre cinema e loucura

17 jun 2001 às 18:16

O longa-metragem "Bicho de Sete Cabeças" é a prova definitiva de que Rodrigo Santoro é muito mais do que um rosto bonito da televisão brasileira. Consagrado com os prêmios de Melhor Ator nos festivais de Brasília e Recife, ele convenceu a crítica especializada com a sua interpretação do complexo personagem Neto, um adolescente lúcido que é internado pelo pai num manicômio.

Santoro estreou no cinema há cinco anos, no curta-metragem "Depois do Escuro", de Dirceu Lustosa. Recentemente participou também do longa "Estação das Águas", de Walter Salles. Na televisão, fez várias novelas, entre elas a atual "Estrela Guia". O reconhecimento nacional de seu talento veio com a mini-série "Hilda Furacão", em que contracenou com Paulo Autran.


Sem se importar com o estigma de galã global, ele constrói sua carreira com base em muita pesquisa e estudo. Este foi um dos assuntos sobre os quais falou em entrevista coletiva, durante a semana, quando passou por Curitiba para divulgar o filme "Bicho de Sete Cabeças", que está em cartaz desde sexta-feira em todo o Brasil.


Folha: Para compôr seu personagem, você utilizou referenciais seus de quando era adolescente?


Rodrigo: Veja só, eu não fui um adolescente urbano. Eu cresci na serra, numa cidade pequena chamada Petrópolis (RJ). Então, as coisas que eu fazia eram diferentes das do Neto, a minha família era muito diferente da dele. Mas é importante dizer que o Neto também é um adolescente muito diferente do estereótipo rebelde, louco, drogado que o público pode imaginar inicialmente para ele. Não é assim. Ele, inclusive, é um cara super tímido, normal. Qualquer adolescente que assistir ao filme poderá se identificar com ele.


F: Este foi até hoje o personagem mais difícil que você já interpretou?


R: É difícil comparar... Por exemplo, o meu personagem na "Hilda" (Furacão, mini-série da Rede Globo) também exigiu um processo de preparação muito grande, mas muito diferente deste, não dá para comparar... O meu trabalho na "Hilda" foi muito importante, porque permitiu que eu descobrisse a importância da pesquisa, do laboratório num papel. Agora, com o "Bicho" é diferente, é cinema, é um personagem complexo, vivo, que passa por milhares de situações...


F:Como foi o seu processo de pesquisa junto a realidade dos manicômios do Brasil?


R:Como a maioria das pessoas, eu nunca tinha tido nenhum contato com este universo. Foi um processo longo de pesquisa, de estudos profundos sobre o tema e de pesquisas de campo também. Estudei muito o roteiro do filme, o livro do Carrano, em que ele descreve com detalhes todas as sensações pelas quais meu personagem iria passar. As palavras dele serviram como subtexto para o meu personagem. Usei também referências de filmes, como "Um Estranho do Ninho", "Garota Interrompida" e "Chattahoochee", com Gary Oldman. Fiz ainda pesquisa de campo, tendo contato direto com pacientes, enfermeiros, médicos. Isto me ajudou muito na hora de filmar, para saber um pouco melhor sobre o que eu estava falando.


Você já recebeu o prêmio de Melhor Ator nos festivais de Brasília e Recife por este filme. Isto era esperado?


Não me passava pela cabeça... Eu pensava apenas se as pessoas iriam ou não assistir ao filme, pelo fato dele ser difícil. Não é entretenimento e eu sei que as pessoas geralmente querem ir ao cinema e ao teatro para rir e esta não é a nossa proposta. Agora, para mim é uma alegria, uma felicidade enorme tudo o que está acontecendo. Não pelo fato de eu ter sido premiado, de ter dois troféus na prateleira, mas pelo incentivo e pelo reconhecimento de um trabalho no qual eu acreditei.


E isso deve mudar a sua carreira, dar mais credibilidade ou ajudar a afastar o estigma de galã global?


Acho que sim, embora não tenha feito o filme pensando nisto. Ter ou não este rótulo de galã, sinceramente, não faz diferença alguma para mim, aliás é a última coisa em que eu iria pensar. O importante é que as pessoas gostem do que eu estou fazendo, se identifiquem com o meu trabalho. Eu optei por fazer este personagem porque ele me comoveu, simplesmente.


Este foi o seu primeiro longa-metragem. Você já tem novos planos para o cinema?


Tenho, mas ainda não devo divulgar nomes porque não está totalmente acertado. O que eu posso te dizer é que tenho dois projetos em cinema ainda para este ano.


É muito diferente fazer cinema e televisão?


A diferença, basicamente, é o roteiro. Na televisão, em novelas, conhecemos o personagem semana a semana. Não adianta preparar, fechar o personagem logo no início, porque ele acaba sendo moldado à medida em que você recebe os cinco capítulos de cada semana para ler. Então, ele é construído pelo ator ao longo da trama. No cinema, ao contrário, recebe-se tudo junto e o principal neste caso é manter a coerência. Digo isto, porque as cenas não são necessariamente gravadas na sequência do filme, então é preciso ter uma grande concentração para saber o que o personagem está sentindo naquela cena, naquele momento, para manter a coerência quando o filme já estiver pronto. O nosso relacionamento com o tempo em cinema é diferente. Por exemplo, quando fiz uma cena do Neto após a sessão de eletrochoque, ainda não havia gravado a sessão de eletrochoque, então era preciso uma concentração enorme para situar o personagem.


Isso significa que o cinema exige mais do ator do que a televisão?

Não sei se exige mais. É muito diferente, exercita o ator de maneira muito diferente. Também, acho que é muito cedo para eu falar sobre isto pois fiz apenas dois filmes e algumas novelas... Mas não descarto possibilidades para nenhum dos dois veículos, ambos amadurecem o ator.


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