Foi num domingo, 17 de fevereiro de 1973, que a morte encontrou Pixinguinha na sacristia da Igreja da Paz, no Rio de Janeiro. Ele estava com 74 anos. Se o destino tivesse ouvido aquilo que costumava dizer aos amigos, chegaria até os 80. Essas conversas ele tinha antes da morte de sua mulher, dona Albertina, ocorrida sete meses antes. Mas a separação da esposa foi um baque forte demais para o compositor e flautista, um gênio tanto na criação como na execução musical.
Lá se vão 28 anos sem Pixinguinha, considerado por seus pares como um anjo, um santo, uma pessoa que transcendia ao comum dos mortais. Esses eram os olhos do mundo, porque o cidadão nascido Alfredo da Rocha Vianna Júnior, na Piedade, subúrbio do Rio, a 23 de abril de 1898, não tinha essas preocupações espirituais sobre si mesmo. Foi um homem que dedicou a vida à música, e deixou para a posteridade peças delicadas, de imensa beleza como "Doce de Coco", "Lamento", "Urubu Malandro", "Ingênuo" e a mais conhecida de todas, "Carinhoso".
Pixinguinha teve seu extraordinário talento despertado ainda menino, pois seu pai gostava muito de música, tocava flauta, participava de serenatas. O garoto cresceu tocando numa flauta de lata, imitando o que ouvia dos adultos. Aos 11 anos, na condição de instrumentista, vai ele participar da batalha de confetes, no carnaval que corria solto na Avenida Central, no centro da cidade. Nesse ano assina sua primeira composição, o chorinho "Lata de Leite". O número é dedicado aos colegas que como ele roubavam o leite da porta das casas. Em 1912 volta ao carnaval, agora como diretor de harmonia do Rancho Paladinos Japoneses.
A vida dos Rocha Vianna não era uma festa constante. Tendo família numerosa (18 filhos), o pai que trabalhava no Departamento Geral dos Telégrafos contava com a ajuda dos filhos mais velhos, que também trabalhavam, para educar os mais novos. Mesmo assim, encantado com o dom mostrado pelo garoto, importou da Itália uma flauta que lhe custou uma fortuna: 600 mil réis. Aos 14 anos, levado pelo irmão China, violonista, é contratado para integrar o conjunto da Concha, uma casa de chope da Lapa.
Começa aqui a alastrar-se a fama do garoto, que até então era conhecido, admirado e respeitado nas quermesses do bairro e festinhas familiares. Aparecem convites tentadores da concorrência, cobrindo os 6 mil réis diários da Concha. Lá vai ele para outros palcos, outras platéias noturnas, mas as tardes ele passa distraindo-se empinando pipas e fumando escondido. Lembraria tempos depois desses idos e do gesto heróico ao enfrentar os fortes cigarros: "Tragar um "Fuzileiro Naval" era um verdadeiro almoço".
Aos 14 anos ainda usava calças curtas e foi assim que o rapazola se viu cara a cara com o diretor da orquestra do maestro Paulino Sacramento. Pego de surpresa, desengonçado, a figura era o contrário da fama. "Isso, flaustista?", assustou-se o emissário que foi conhecê-lo. Bastou chegar para o ensaio - o convite partira do violonista Arthur Nascimento, Tute - para que se anulassem as más impressões. Assim Pixinguinha ganhou posição na orquestra que tocava na peça "Chegou Neves", com o melhor cast da época.
Foram esses os primeiros tempos de uma carreira que o levaria a Buenos Aires, Paris e, aqui, estaria lado a lado de gente famosa de Villa-Lobos a Louis Armstrong e o maestro Stokowsky. Nos anos 40 o flautista saiu de cena para dar vez ao trombonista, graças à impiedade da bebida: suas mãos tornaram-se trêmulas, sem firmeza. Assim nasceu o saxofonista, em 1946. Em 1964 um enfarte tira dele "as melhores coisas da vida". Entre elas, o uísque.
Pixinguinha chegou ao fim da vida tomando água mineral na Wisqueria Gouveia, local que ele freqüentou por muitos anos. Era ali que encontrava os amigos. A mesa onde se sentava jamais voltou a ser ocupada após sua morte: um chapéu pregado na parede sinaliza aos menos atentos e desavisados estar permanente ocupada. Mais ou menos é o que acontece com o seu lugar na música: um espaço que só ele pode habitar.