Um livro produzido com esmero nos mínimos detalhes, com 178 páginas e cerca de 80 fotos em cores e p&b, conta uma história de persistência e sucesso de um dos grupos teatrais mais importantes do País: o Galpão, de Belo Horizonte (MG). Escrito pelo dramaturgo Cacá Brandão, é um longo relato sobre a luta dos artistas em se firmar na carreira, levando sua arte aos teatros e às ruas. "Grupo Galpão - 15 Anos de Risco e Rito" será lançado durante o 10º Festival de Teatro de Curitiba. Editado através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, tem o patrocínio do Banco Mercantil do Brasil.
A platéia paranaense teve contato com os artistas mineiros a partir de 1992, quando vieram pela primeira vez ao festival com dois espetáculos de rua: "Corra Enquanto é Tempo" e "A Esposa Muda". Eles voltarão pela quinta vez com "Um Trem Chamado Desejo", mas essa história só será contada em outro livro, porque este ocupa-se do período que começa em 1982 e termina em 1997.
Foi durante uma oficina promovida pelo Goethe Institut, com Kurt Bildstein e George Froscher, no Teatro Marília, em Belo Horizonte, que a companhia começou a nascer. Atentos aos ensinamentos dos dois profissionais do Teatro Livre de Munique estavam os jovens Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antônio Edson. Espalhados entre cerca de 50 alunos, cada qual tinha alguma coisa a contar, como Wanda, expulsa de casa porque insistia em ser atriz. Dos 50 inscritos, duas semanas depois restavam 12.
Foi nessa época que Cacá Brandão ouviu de seu amigo Eduardo uma confissão carregada de expectativa e certeza: este tomara a decisão de dedicar toda a sua vida ao teatro. "Tínhamos cerca de vinte anos. Confesso que achei a opção meio louca, pois para mim fazer teatro era apenas uma experiência alternativa sobre a qual não valia a pena ter grande empenho", lembra ele nas páginas do livro.
"Era um receio, não só do ponto de vista político, mas sobretudo do ponto de vista profissional. Parecia-me, realmente, uma loucura. Mas o próprio Eduardo me diria oito anos depois: para se fazer teatro, é preciso uma certa dose de loucura. Essa loucura não significa nenhum traço psíquico, mas uma aposta. Fazer teatro é um risco constante em todos os aspectos e exige apostar na utopia de querer mudar alguma coisa no mundo e abdicar do próprio conforto".
Um dia antes da estréia de "E a Noiva Não Quer Casar" os atores estão num bar quando decidem pela organização jurídica e estrutural do Grupo Galpão. Oficialmente começa aí sua trajetória. Desse momento até 1997, quando foi encenado "Um MoliŠre Imaginário", com estréia na cidade barroca de Tiradentes, colecionam-se histórias divertidas, engraçadas e trágicas. Tem-se, principalmente, a obstinação de cada um dos artistas.
Anseios, angústias e expectativas acabam ficando no desconhecido território do anonimato, mas é ilustrativo o episódio ocorrido durante os ensaios de "Romeu e Julieta" - a montagem dirigida por Gabriel Villela que correu mundo, encantando as platéias. Diz o texto: "Vendo Teuda subir a escada do cenário, Gabriel grita: "Teuda, nunca mais suba esta escada sem antes se depilar". Sabendo das dificuldades financeiras de todos, ele mesmo lhe dá dinheiro para ir ao salão de beleza".
O diretor colabora não só com a atriz. No dia seguinte ele adentra o galpão com uma máquina de café para substituir o velho ebulidor, "e com novas tesouras para cortar panos e confeccionar figurinos. Mesmo sem nunca ter recebido qualquer cachê durante a montagem, Gabriel renovava o Galpão, inclusive materialmente", escreve Cacá Brandão.
A essas alturas cinco anos já tinham se passado, mas como se vê a situação do Galpão ainda era complicada. Entretanto, a teimosia dos artistas e a certeza de levar a arte adiante, deu frutos que talvez sequer fossem imaginados por esses idos. Ao comemorar os 15 anos de vida, contabilizavam apresentações em mais de 100 cidades brasileiras - de Capelinha e Vespasiano a Londrina, Cambuquira e São Paulo. Percorreu também cidades da Alemanha. Canadá, Chile, Costa Rica, Colômbia, Espanha, França, Holanda, Itália, Inglaterra, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. Hoje a companhia viaja sob auspícios da Telemig Celular e Petrobras.
Uma das principais presenças do grupo, Wanda Fernandes, que se casou com Eduardo Moreira - juntos foram Romeu e Julieta no célebre espetáculo -, faleceu em 1994 num acidente automobilístico. O livro "Grupo Galpão - 15 Anos de Risco e Rito" abre a edição com uma bela foto sua, na personagem de Julieta. Ao lado, encerrado num pequeno envelope, um cartão de aparência antiga com florzinhas singelas, traz um recado a ela como num brinde, vindo de todo elenco: "Bebemos isto por ti".