Em Copacabana
Um dos maiores críticos literários do País, o professor Wilson Martins, completou 80 anos no começo deste ano. Apesar da discrição da data, o atento diretor da Imprensa Oficial, Miguel Sanches Neto, não deixou-a passar em branco: editou o livro "Mestre da Crítica", uma obra que reúne intelectuais brasileiros e estrangeiros em torno do mestre que detém o título de Professor Emérito da Universidade de Nova York.
Homenagens afins são frequentes em outros países. Aqui, o volume com mais de 300 páginas traz ensaios de Affonso Romano de Sant’Anna, Josué Montello, Moacyr Scliar, do italiano Giuseppe Carlo Rossi e da norte-americana Mary L. Daniel, entre outras personalidades das letras. "É uma obra digna e não um catatau para me elogiar", brincou o homenageado na entrevista concedida à Folha2, em seu escritório.
Embora adepto à discrição, o professor deverá estar sob as luzes dos holofotes com o lançamento oficial do volume. Na conversa com a reportagem disse que gostaria de comemorar o surgimento do livro com um grupo de amigos, nada mais. O que ele não sabia é que correm comentários de que haveria interesse do Palácio Iguaçu em tornar o evento mais festivo.
Como o senhor recebe essa homenagem?
Recebo muito bem. Vaidoso, como é natural, e até um pouco surpreso. Como crítico literário sempre me passa a idéia de que não tenha muita gente disposta a colaborar numa obra em minha homenagem. Mas desta vez vai dar um livro contendo temas de literatura e de história literária, assinados por grandes nomes de universidades do exterior e do Brasil. Há uma colaboração variada de pessoas independentes que aproveitaram este convite para publicar esses trabalhos em minha homenagem.
Pode-se dizer que dos seus 80 anos, 80 foram dedicados à literatura?
Oitenta seria demais... Podemos marcar o início das minhas primeiras colaborações de crítica literária no jornal "O Dia", de Curitiba, que não existe mais. O meu primeiro livro composto com parte desses artigos saiu em 1946. Aí temos uma data mais ou menos prática para datar o começo de minha carreira crítica. Praticamente nesse tempo todo, embora às vezes tenha exercido outras atividades, nunca abandonei a literatura. Fui crítico literário de "O Estado de São Paulo" durante 20 anos ininterruptos, depois passei a escrever no "Jornal do Brasil", "Jornal da Tarde". Atualmente sou crítico de "O Globo". Neste meio tempo, naturalmente, escrevi meus próprios livros. Resumindo: tenho mais de meio século bem empregado.
O senhor consegue visualizar quando a literatura entrou na sua vida?
Não sei, essas coisas aparecem espontaneamente. Quando eu era adolescente apareceu a oportunidade de escrever alguma coisa sobre livros. Mas sempre fui grande leitor. Isto sim, desde meus 8, 9 anos de idade... Lia tudo: bula de remédio, etiqueta de garrafa, livros, revistas, jornais. De forma que, por esse lado, as leituras me levaram, instintivamente, a escrever. Não tive outra vocação.
Como se sabe, o senhor trabalha continuamente. Tem algum trabalho para ser lançado?
Talvez até antes do final do ano saia a terceira edição da "Crítica Literária no Brasil" pela editora Francisco Alves, do Rio de Janeiro. É especificamente a história da crítica literária entre nós. Naturalmente, procuro organizar o mundo das críticas e dos críticos de forma coerente, pelas orientações dos diversos autores, pelas discussões literárias, pelas teorias que se sucederam e assim por diante. A editora está completando 190 anos e eles resolveram comemorar com essa reedição. É claro que tive que atualizá-lo. Puxo toda a história da crítica literária até nossos dias, ou melhor, até o último minuto.
Existe uma tradição de crítica literária no Brasil?
Sim. Desde o século 18 criaram-se no Brasil as chamadas academias literárias que ainda não eram a crítica escrita, mas já eram sociedades ou lugares em que os intelectuais discutiam entre si idéias de literatura e assuntos gerais. A partir de meados do século 19, cria-se uma tradição, quer dizer, em cada momento sempre haverá críticos escrevendo. Aliás, isto acontece com a literatura brasileira em geral.
Como está a nossa literatura hoje?
Está bem. Temos alguns gêneros que estão passando por um período de dormência. Por exemplo, não têm aparecido grandes romancistas, nem grandes poetas. Vivemos um pouco dos grandes nomes do passado. Em poesia, estamos mais ou menos em Carlos Drummond, João Cabral. Não apareceu nenhum que se impusesse acima destes nomes. O que tem havido muito nesses últimos tempos, e com grande vigor, é a historiografia. O ensaio literário também. Pode-se dizer que neste momento há prevalência de gêneros ensaísticos.
É sintomático olharmos para nossa própria história? Seria um sinal dos tempos?
Isto sempre houve, o brasileiro sempre foi muito curioso a respeito de seu País. Essa é outra diferença curiosa com os chamados latino-americanos. Os livros de ensaios na Hispano-América são sempre em comparação com os Estados Unidos: 'nós e os Estados Unidos', 'nós com os Estados Unidos'. O Brasil sempre está interessado nele mesmo. O Brasil é um tema predileto dos brasileiros.
A impressão que se tem é que não havia uma obra extensa como o senhor está falando. A mídia ocupava-se mais com os romances...
O reflexo na imprensa é muito relativo, porque os jornais e revistas orientam-se muito mais pela noção de atualidade do que pela noção de permanência. De forma que um livro que apareça e desperte a atenção do público, e seja comentado, atrai os jornais. Em compensação eles ignoram livros importantes que estão saindo. Então podemos dizer que de uma forma geral o interesse da imprensa é um pouco tendencioso, ou parcial. Acontece que muitos desses livros que hoje têm uma grande atualidade e são discutidos, daqui a seis meses, um ano ninguém falará deles. Já outros que foram ignorados, provavelmente terão vida mais longa. São fenômenos curiosos de vida literária, mais que de literatura.
Como se comporta a literatura local?
Quando falamos do Paraná, falamos sobretudo de Curitiba e talvez de Londrina, dois centros que têm uma vida intelectual mais importante. Curitiba está com bons romancistas como Cristovão Tezza, Miguel Sanches Neto (que também é um excelente crítico literário), cronistas como Jamil Snege. Na minha opinião o que está um pouco fraco, como sempre foi, é a poesia. Há muita produção de poemas, mas pouca produção de poesia. Quer dizer, é quase uma atividade de adolescência, e não passa disso. A poesia, entre todos os gêneros, é a que mais exige maturidade intelectual e mental.
Homenagens afins são frequentes em outros países. Aqui, o volume com mais de 300 páginas traz ensaios de Affonso Romano de Sant’Anna, Josué Montello, Moacyr Scliar, do italiano Giuseppe Carlo Rossi e da norte-americana Mary L. Daniel, entre outras personalidades das letras. "É uma obra digna e não um catatau para me elogiar", brincou o homenageado na entrevista concedida à Folha2, em seu escritório.
Embora adepto à discrição, o professor deverá estar sob as luzes dos holofotes com o lançamento oficial do volume. Na conversa com a reportagem disse que gostaria de comemorar o surgimento do livro com um grupo de amigos, nada mais. O que ele não sabia é que correm comentários de que haveria interesse do Palácio Iguaçu em tornar o evento mais festivo.
Como o senhor recebe essa homenagem?
Recebo muito bem. Vaidoso, como é natural, e até um pouco surpreso. Como crítico literário sempre me passa a idéia de que não tenha muita gente disposta a colaborar numa obra em minha homenagem. Mas desta vez vai dar um livro contendo temas de literatura e de história literária, assinados por grandes nomes de universidades do exterior e do Brasil. Há uma colaboração variada de pessoas independentes que aproveitaram este convite para publicar esses trabalhos em minha homenagem.
Pode-se dizer que dos seus 80 anos, 80 foram dedicados à literatura?
Oitenta seria demais... Podemos marcar o início das minhas primeiras colaborações de crítica literária no jornal "O Dia", de Curitiba, que não existe mais. O meu primeiro livro composto com parte desses artigos saiu em 1946. Aí temos uma data mais ou menos prática para datar o começo de minha carreira crítica. Praticamente nesse tempo todo, embora às vezes tenha exercido outras atividades, nunca abandonei a literatura. Fui crítico literário de "O Estado de São Paulo" durante 20 anos ininterruptos, depois passei a escrever no "Jornal do Brasil", "Jornal da Tarde". Atualmente sou crítico de "O Globo". Neste meio tempo, naturalmente, escrevi meus próprios livros. Resumindo: tenho mais de meio século bem empregado.
O senhor consegue visualizar quando a literatura entrou na sua vida?
Não sei, essas coisas aparecem espontaneamente. Quando eu era adolescente apareceu a oportunidade de escrever alguma coisa sobre livros. Mas sempre fui grande leitor. Isto sim, desde meus 8, 9 anos de idade... Lia tudo: bula de remédio, etiqueta de garrafa, livros, revistas, jornais. De forma que, por esse lado, as leituras me levaram, instintivamente, a escrever. Não tive outra vocação.
Como se sabe, o senhor trabalha continuamente. Tem algum trabalho para ser lançado?
Talvez até antes do final do ano saia a terceira edição da "Crítica Literária no Brasil" pela editora Francisco Alves, do Rio de Janeiro. É especificamente a história da crítica literária entre nós. Naturalmente, procuro organizar o mundo das críticas e dos críticos de forma coerente, pelas orientações dos diversos autores, pelas discussões literárias, pelas teorias que se sucederam e assim por diante. A editora está completando 190 anos e eles resolveram comemorar com essa reedição. É claro que tive que atualizá-lo. Puxo toda a história da crítica literária até nossos dias, ou melhor, até o último minuto.
Existe uma tradição de crítica literária no Brasil?
Sim. Desde o século 18 criaram-se no Brasil as chamadas academias literárias que ainda não eram a crítica escrita, mas já eram sociedades ou lugares em que os intelectuais discutiam entre si idéias de literatura e assuntos gerais. A partir de meados do século 19, cria-se uma tradição, quer dizer, em cada momento sempre haverá críticos escrevendo. Aliás, isto acontece com a literatura brasileira em geral.
Como está a nossa literatura hoje?
Está bem. Temos alguns gêneros que estão passando por um período de dormência. Por exemplo, não têm aparecido grandes romancistas, nem grandes poetas. Vivemos um pouco dos grandes nomes do passado. Em poesia, estamos mais ou menos em Carlos Drummond, João Cabral. Não apareceu nenhum que se impusesse acima destes nomes. O que tem havido muito nesses últimos tempos, e com grande vigor, é a historiografia. O ensaio literário também. Pode-se dizer que neste momento há prevalência de gêneros ensaísticos.
É sintomático olharmos para nossa própria história? Seria um sinal dos tempos?
Isto sempre houve, o brasileiro sempre foi muito curioso a respeito de seu País. Essa é outra diferença curiosa com os chamados latino-americanos. Os livros de ensaios na Hispano-América são sempre em comparação com os Estados Unidos: 'nós e os Estados Unidos', 'nós com os Estados Unidos'. O Brasil sempre está interessado nele mesmo. O Brasil é um tema predileto dos brasileiros.
A impressão que se tem é que não havia uma obra extensa como o senhor está falando. A mídia ocupava-se mais com os romances...
O reflexo na imprensa é muito relativo, porque os jornais e revistas orientam-se muito mais pela noção de atualidade do que pela noção de permanência. De forma que um livro que apareça e desperte a atenção do público, e seja comentado, atrai os jornais. Em compensação eles ignoram livros importantes que estão saindo. Então podemos dizer que de uma forma geral o interesse da imprensa é um pouco tendencioso, ou parcial. Acontece que muitos desses livros que hoje têm uma grande atualidade e são discutidos, daqui a seis meses, um ano ninguém falará deles. Já outros que foram ignorados, provavelmente terão vida mais longa. São fenômenos curiosos de vida literária, mais que de literatura.
Como se comporta a literatura local?
Quando falamos do Paraná, falamos sobretudo de Curitiba e talvez de Londrina, dois centros que têm uma vida intelectual mais importante. Curitiba está com bons romancistas como Cristovão Tezza, Miguel Sanches Neto (que também é um excelente crítico literário), cronistas como Jamil Snege. Na minha opinião o que está um pouco fraco, como sempre foi, é a poesia. Há muita produção de poemas, mas pouca produção de poesia. Quer dizer, é quase uma atividade de adolescência, e não passa disso. A poesia, entre todos os gêneros, é a que mais exige maturidade intelectual e mental.