Os espectadores da nova geração não conheceram. Mas por muitos anos as salas de cinema representavam não somente um palco para a apresentação de uma proposta estética, e sim, uma grande celebração social da magia que só a sétima arte pode transmitir. Eram as salas de projeção em 70 mm, que, além da qualidade de imagem e som, contavam na maior parte das vezes com telões imensos, os chamados ''cineramas'', muito populares no mundo inteiro até os anos 70.
E Londrina, contou com o cinerama? A resposta está mais do que respondida no estudo que o poeta e pesquisador radicado em Londrina, Carlos José Ribeiro, lançou sobre essa época áuera: ''Projeções em Cinerama e 70 mm em Londrina''. Ele é autor do livro de poesias ''Entre a Palavra e o Silêncio'' (2001), da Atrito Art Editorial, e do estudo ''O Cinema nos anos 70 - Um Vôo Panorâmico'' (1998). Nesse breve estudo, ele defende que os anos 70 não foram uma idade das trevas do cinema, e sim, uma época áurea em que Hollywood finalmente amadureceu.
Nesse novo registro histórico, em breve doze páginas, Ribeiro mostra como foram as projeções em três salas da cidade que já possuiram equipamento compatível com a película 70 mm - os cines Londrina (antigo), Augustus e Vila Rica, aquele mesmo que apagou suas luzes em janeiro desse ano.
Ribeiro lembra com certo romantismo uma época generosa: ''A projeção em 70 mm permite um deleite não só de filmes com propostas estéticas, mas todo e qualquer espetáculo de cinema'', avalia. Em seu estudo, ele chega a cutucar os críticos: ''Se a imagem comovesse, simbolizasse e ressoasse na imaginação e na sensabilidade, se a experiência sensorial, rítmica e estética fosse boa, dane-se o pensamento do diretor e os manuais sobre essa obsessiva, vesga e pedante teoria do ''autor cinematográfico!''.
Entre as três salas armadas de projeção em 70 mm, ele prefiria a do Vila Rica, ''com muito mais qualidade''. O maior telão que a cidade já possuiu foi entretanto o do Cine Londrina reformado, que popularmente era chamado de cinerama. Reinaugurado a 7 de fevereiro de 1968, esse Cine Londrina foi o terceiro do País a contar com o processo 'cinerama sem emendas', já que em sua criação, o 'cineorama' francês não era projetado por um único aparelho, e sim, por três. Poucas cidades do mundo contaram com essa aparelhagem arcaica, e na lembrança de Carlos Ribeiro, apenas ''A Conquista do Oeste'', épico de John Ford, foi exibido comercialmente por três projetores simultâneos.
Mas isso foi nos anos 50. Dessa época datam também outras importantes conquistas tecnológicas da indústria cinematográfica, indústria que já travava altos embates com a então recente televisão. Em poucos anos, surgiram processos como o Cinemascope, Camera 65, VistaVision, Ultra e Super Panavisison, Todd-AO e Dimension 150, todos objetivando melhor qualidade de imagem e som.
Em Londrina, o Augustus contava com Todd-AO; o Cinerama era dotado do Dimension 150; e o antigo 'Vila' (antes de ser divido em duas salas) usufruía de dois projetores, o usual 35 mm e o raro 70 mm, além das seis faixas de som estéreo. Só para o leitor vislumbrar o efeito que era assistir a um filme nesses cinemas, o Cine Londrina, ao ser reinaugurado, tinha projeção em tela curva de 146 graus, 23 metros de comprimento por 9,5 de altura. Era uma verdadeira celebração catártica, algo próximo à definição que Federico Fellini atribuiu ao ato de ir ao cinema - ''é como ir à missa''.
Por essa época, passaram filmes em 70 mm em Londrina como ''Playtime'', de Jacques Tati; ''Spartacus'' e ''2001 - Uma Odisséia no Espaço'', de Stanley Kubrick; ''Voar é Com os Pássaros'', de Robert Altman e ''A Noviça Rebelde'', de Robert Wise; entre outros. Os últimos filmes a passarem nesse formato foram exibidos em 1984 no antigo Vila - ''Tron'' e ''Pink Floyd - The Wall''.
Hoje, segundo Ribeiro, só existem três salas no mundo que projetam filmes em 70 mm: uma em Seattle (EUA), uma em Sidney (Austrália) e outra em Nova Iorque (EUA). Poucas produções são rodadas nesse formato - as últimas foram ''Hamlet'', de Kenneth Branagh, de 96, e ''Titanic'', de James Cameron, em 98. Mesmo assim você não as viu em formato 70 mm, foi elas foram transpostas para o tradicional 35 mm, modelo para quase todas as salas de cinema do mundo. Em São Paulo, até 99, o Cine Largo do Machado I ainda exibia películas em 70 mm.
A lembrança de quem frequentou os cinemas de Londrina nos anos 60 e 70 ainda é rica. Uma interrupção ocorreu em 15 de maio de 1974, quando o Cine Londrina também baixou suas luzes. Em 81, foi o Augustus. E agora nem o Vila temos mais. O que resta parece ser apenas um silêncio... e sem magia.
''Projeções em Cinerama e 70 mm em Londrina'' - Lançamento do estudo de Carlos José Ribeiro. Para adquirir esse panfleto e ''Os Cinemas nos Anos 70 - Um Vôo Panorâmico'', os interessados devem enviar pedidos ao e-mail: newmsem@hotmail.com