O que é ser um bailarino profissional? É treinar todos os dias durante horas, ser atleta e artista, saber expressar sentimentos, emocionar, ter aptidão física e artística, e ainda vocação. Saber relacionar-se com culturas diferentes, ter conhecimento de dança mundial, estudar línguas, ser independente e saber respeitar os outros. Parece muita coisa para meninos e meninas de oito a onze anos, mas os alunos do Ballet Bolshoi, em Joinville, estão com a lição na ponta da língua, ou melhor, da sapatilha.
Única escola-filial de balé clássico fora da Rússia, o Bolshoi do Brasil prepara-se para entrar no novo milênio com uma segunda turma de alunos. As inscrições para a pré-seleção encerram dia 20. A escola está atualmente com 180 alunos no Curso de Formação e abre mais quatro turmas, de 20 alunos cada.
A concorrência é tão grande que há famílias inteiras dispostas a mudar para Joinville para que os filhos possam estudar dança clássica no Bolshoi. No primeiro ano de atividades, o Bolshoi teve inscritos cerca de 2 mil jovens, 515 foram pré-selecionados. A concorrência foi de 43 candidatos por vaga, o que coloca a escola entre as mais concorridas do País. Em Moscou, na mesma faixa etária entre oito e 11 anos, há 6,5 mil alunos.
Entre os alunos brasileiros, 90% são bolsistas integrais. São crianças que estudam em escolas municipais de Joinville e que recebem toda a estrutura para poder dedicar-se ao balé sem prejudicar os estudos. Os outros 54 alunos não-bolsistas pagam R$ 300,00 por mês. Quatro grandes empresas nacionais participam do orçamento da escola com R$ 600,00 para cada um dos 126 alunos bolsistas, por intermédio da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura.
O que chama a atenção de quem visita o Centro de Eventos Cau Hansen, sede da escola, é a disciplina, beleza e estrutura oferecida aos alunos. Como em Moscou, o Bolshoi de Joinville é extremamente bem organizado e exige a mesmo postura disciplinar dos pequenos catarinenses. "Os critérios de seleção são os mesmos do Ballet Bolshoi de Moscou", confirma a coordenadora artística Maristela Teixeira.
A rotina dos alunos é a mesma dos colegas do outro lado do mundo e que já têm 225 anos de tradição. Os jovens entram e saem da escola uniformizados, têm um armário individual para deixar as malhas e sapatilhas, recebem um lanche no intervalo, assistem a vídeos de balé ao invés de desenhos animados. "Ser um bailarino profissional da escola Bolshoi exige essa postura, tando que os próprios alunos discutiram as regras de comportamento dentro da escola e impuseram-se punições mais rígidas das que haviam sido apresentadas", conta Maristela.
Nos corredores, escadas, lanchonete, tudo lembra balé clássico. As salas de aulas têm nomes de estrelas do Bolshoi como Galina Ulanova, Asaf Messerer, Galina Ivanova, Vazlav Nishinsky e Anna Pavlova. Dois dos cinco professores são russos. Há ainda um pianista russo e outros cinco brasileiros. Todas as aulas são acompanhadas ao piano.
Para os próximos anos, as escolas Bolshoi pretendem oferecer intercâmbios entre os alunos e professores russos e brasileiros. Os bailarinos daqui terão oportunidade de ficar dois anos em Moscou ao final do curso de Formação. Os alunos de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento também irão ter aulas com a companhia em Moscou.
História
A Escola Coreográfica de Moscou, hoje conhecida como Escola do Teatro Bolshoi, nasceu em 1773 sob o signo da arte e da solidariedade. Os primeiros alunos foram crianças carentes que freqüentavam aulas de dança em um orfanato. Deste primeiro movimento nasceu o Ballet Bolshoi. Passados mais de dois séculos, Bolshoi (que significa grande) tornou-se o símbolo da dança no mundo, com estrelas que viraram mito.
Algumas catástrofes marcaram o espaço físico do Teatro Bolshoi, hoje tombado pela ONU e considerado Patrimônio da Humanidade. Em 1780 a companhia instalou-se num prédio de alvenaria, onde desenvolviam espetáculos de ópera e balé. Em 1805, este edifício foi destruído por um incêncio. Em 1824, o arquiteto Osip Bovet construiu, no mesmo local, um novo prédio que recebeu o nome de Grande Teatro Petrovsky.
Projetado para ser um dos teatros mais bonitos do mundo, tinha um estilo arquitetônico único. Um segundo incêndio destruiu quase que totalmente a construção. Três anos depois, o prédio do Bolshoi foi reconstruído parcialmente e reformado pelo arquiteto Albert Kavos. É nesse edifício que até hoje desenvolve-se um dos maiores trabalhos de dança do mundo, com uma tradição de qualidade e requinte bastante particulares.
Idas e vindas entre Joinville e Moscou resultaram na instalação da primeira escola do Bolshoi fora de seu território de origem. Japão e Estados Unidos, dois países que se candidataram para o mesmo empreendimento, ainda não conseguiram concretizar o seu intento. Sob a supervisão geral de Jô Braska Negrão, coreógrafa e arte-educadora, a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil tornou-se realidade em março deste ano.
Dedicação
Diego Henrique da Silva Luz e Camila Milchert - os dois com nove anos de idade e cursando a 3ª série em escolas municipais - estão entre os alunos que já assumiram compromisso com a dança clássica. Sem nunca ter assistido a um balé, Diego conta que começou a ter curiosidade quando o professor da escola propôs uma pré-seleção. "Quero fazer todo o curso de Formação. Gosto dos exercícios e fico mais tranqüilo aqui na escola", conta sem assustar-se com os oito anos que ainda tem pela frente. Diego conta que no dia da aula que fizeram para os pais, ele levou o pai até o armário para mostrar onde guarda suas coisas das aulas de dança.
Por sua vez, o que Camila mais gosta é da prática cênica e dos exercícios de chão. "A gente pratica coreografias e eu gosto de fazer todos os passos do balé", exibe-se com o uniforme impecável. Ela garante que consegue dar conta também das tarefas da escola mesmo dedicando três horas diárias ao balé. As duas crianças cuidaram da aparência e da postura correta para dar entrevista à Folha.