A forma brasileira inusitada de miscigenar culturas abriu anteontem o 19º Festival de Dança de Joinville, com coreografias de um israelense e de um iraniano interpretados pelo Balé Cidade de São Paulo, e fechou com a estrelíssima bailarina clássica Cecília Kerche e o jovem Marcelo Gomes, num magnífico pas-de-deux.
"Dualidade@br", do iraniano Gagik Ismailian, emocionou o público com os fados portugueses cantados por Amália Rodrigues. A coreografia usou o que a melodia tem de mais sensual para criar movimentos de amor violento, quase tribal, ao mesmo tempo que pétalas vermelhas caiam sobre os bailarinos. Com figurino minimalista e sem cenário, os bailarinos puderam colocar toda sua expressão em solos, duos e trios.
Em seguida, o Balé Cidade de São Paulo fez o jogo das cadeiras numa coreografia divertida, inspirada num ensaio do filósofo Spinoza, com música de Bach. "Axioma 7", do israelense Ohad Naharin, faz referência aos relacionamentos humanos, ao amor, à fragilidade e às sensações espontâneas, com figurino vermelho sugerindo paixão, sangue e desejo.
A estrela de primeira grandeza Cecília Kerche dançou com uma discreta faixa no joelho recém operado. Ela escolheu o bailarino brasileiro Marcelo Gomes, atualmente solista no American Ballet Theater, de Nova York, para dançarem o "Cisne Negro" - terceiro ato de "O Lago do Cisne".
A jovialidade, leveza e perfeição dos movimentos dos partners, foram levados ao palco com a segurança de quem sabe o que faz. A coreografia foi um misto das mais belas versões já realizadas para o "Cisne Negro". Esta foi a 11ª vez que Cecília participa do Festival de Dança de Joinville. Ela respondeu a algumas perguntas por e-mail, exclusivas para a Folha.
Folha: O que é a dança para você?
Cecília: É a forma de expressão mais completa do ser humano.
F: De que forma você acompanha a evolução da dança?
C: Vivo a dança. Inclusive meu nome hoje é griffe de artigos femininos e masculinos para dança, e já atravessou fronteiras.
F: Como essa evolução interfere no seu trabalho?
C: Recria-me a cada vez que piso no palco.
F: Porque escolheu Marcelo Gomes para o pas-de-deux?
C: Devido às suas características de danseur noble.
F: Em que escolas estudou e com que professores?
C: Só estudei em São Paulo, com Vera Mayer, Halina Biernacka e Pedro Krasczczuk, que além de meu coach é meu marido e foi quem desenvolveu as minhas sapatilhas.
F: Desde que idade estuda balé?
C: Desde os oito anos.
F: O que mais a fascina na dança?
C: A magia que ela exerce sobre as pessoas.
F: O que é mais difícil?
C: A falta de companhias para absorver tantos que se formam depois de muitos anos de estudo.
F: Quantas horas de treinamento por dia?
C: No mínimo seis horas.
F: O que tem visto no mundo, em termos de dança?
C: De tudo, inclusive dança-teatro.
F: O Brasil acompanha o ritmo mundial?
C: Sim, e se destaca com grandes méritos.
F: Quem se destaca?
C: Débora Colker, que recentemente ganhou em Londres o Oscar da dança.
F: Ainda é necessário estudar fora?
C: Hoje em dia não é mais preciso, pois até exportamos nossos bailarinos, que enriquecem as companhias estrangeiras.
F: O que ainda nos falta?
C: Nos faltam companhias, bons salários e campo de trabalho, pois dança temos de sobra.
F: O balé contemporâneo faz parte dos seus planos?
C: Acabei de dançar uma obra criada para mim pelo Tíndaro Silvano, para a comemoração dos 92 anos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, quando dançei de tênis.
F: O que a atrai mais no balé clássico?
C: O desafio de manter viva a tradição dos grandes clássicos.