Esta noite tem espetáculo de tango no Guairão, mas quem for ao teatro pensando encontrar aquilo que já viu em outras temporadas, vai se surpreender. "Copes Tango Copes" passa ao largo dos números tradicionais, com a onipresença de Gardel e La Pera no repertório. A manifestação portenha está ali, por completo, mas dentro de uma leitura muito pessoal do bailarino e coreógrafo Juan Carlos Copes. O nome do artista não está em vão no título da montagem.
Copes tem 70 anos, mas os últimos 50 ele dedicou inteiramente à dança. Não só se apresentando, como buscando outras linguagens para aprimorar sua arte. Formado em eletrotécnica, o bailarino deixou a carreira para trás e abraçou aquilo que mais gostava.
Essa história de persistência e sensibilidade é contada no transcorrer do espetáculo por 14 bailarinos, pela cantora Yeni Patino e pela filha Johana. "Não há cenário. Há telões mostrando slides e filmes, com o som de gravações originais das músicas e a voz de Yeni ao vivo. São vários quadros mostrando várias fases da minha vida", explica.
O artista lembra de uma lei criada pelo governo de seu país em 1952, preocupado com a preservação da cultura local. Foi determinado que as rádios e os espetáculos portenhos deveriam tocar 50% de música nacional, e os 50% restantes ficariam para os estrangeiros.
"No início achei que seria bom, mas depois os cantores começaram a cantar músicas de fora, para garantir o mercado", recorda Copes. "Queriam matar o tango, mas aconteceu o contrário".
Houve, isto sim, uma lufada de oxigênio que alterou o tradicional cenário tangueiro. A música deixou de ser unicamente "lamento de um cornudo", dos tempos de Carlos Gardel, para dar-se ao luxo das metáforas e um melhor tratamento às mulheres, até então traidoras e focos de desgraças e solidão. Compositores como Enrique Discépolo, Homero Expósito e Homero Manzi foram essenciais para essa revolução interna.
Enquanto isso acontecia na música, o mesmo se dava com a dança, na inquietude de Copes. Novamente ele é quem conta:
- Os antigos milongueiros não pensavamm em viajar, se profissionalizar. Estudei acrobacia, balé clássico e moderno, tudo para agregar ao tango. Decidi que faria como nos musicais americanos de Gene Kelly e Fred Astaire, não me limitando a dançar, mas a contar e cantar a nossa cultura.
O orgulho fincado na alma e na arte ganhou brilho com o convite para trabalhar nos Estados Unidos. Durante três anos - entre 1962 e 1965 - Juan Carlos Copes foi artista contratado de Ed Sullivan, nome lendário naquele país. Seu "Ed Sullivan Show" era um programa que mantinha multidões presas à frente da televisão.
Encerrado o compromisso com o apresentador americano, veio a fase das turnês internacionais. Entre outros países esteve no Japão, Alemanha, Espannha, Canadá. O argentino rodou o mundo, algumas vezes tendo a satisfação de ter ao lado o amigo Astor Piazzolla, outro nome essencial para a inovação estética.
Quando se deu a temporada da ópera "Maria de Buenos Aires", no Rio de Janeiro, Piazzolla estava lá. "Ele me abraçou e disse: "Negro, quem disse que não se pode dançar Piazzolla?"". Foi a última vez em que estiveram juntos. O músico morreria logo depois.
O reconhecimento pela arte de Copes foi além dos palcos. Grandes astros como Liza Minelli, Mikail Barishnikov e Robert Duvall tiveram nele o seu mestre. Participou também de vários filmes, entre eles "Tango", o mais recente e aplaudido trabalho de Carlos Saura.
Os 70 anos do artista não pesam no corpo nem na alma. Bailarinos de novas gerações dividem harmonicamente o palco e as luzes com o veterano. "Os jovens estão fazendo uma revolução pacífica, renovando o tango", diz, orgulhoso. Há um porém: "Meus dançarinos têm, em média, 30 anos. Mas veja bem: três dos meus maiores ídolos argentinos, Piazzolla, Yupanki e Borges, morreram no exterior. Falta uma conscientização para valorizar o que é nosso".
Esse desabafo poderia ter as cores brasileiras, não viesse de um argentino. Mas o ímpeto do viver e a alegria pela arte está sintetizada na cena final, quando os jovens companheiros de cena perguntam ao mestre como será seu futuro. "Seguir dançando", responde.
Serviço: "Copes Tango Copes", com Juan Carlos Copes. Espetáculo sintetiza meio século dedicado à dança por um dos maiores nomes do tango. Única apresentação, dia 30, às 21 horas, no Guairão. Ingressos: R$ 35,00 (preço único). Não serão aceitos cheques.