Que o Brasil é um país racista todo mundo sabe; que esse racismo é velado por uma questão de bom-mocismo também todo mundo sabe. Mesmo assim o livro do jornalista Marco Frenette, "Preto e Branco - A Importância da Cor da Pele", lançado pela Publisher Brasil, é um duro soco nas indiferenças. São 120 páginas sem trégua, sem afagos por um autor que não é negro.
Produto de uma classe média que divisava seus valores a partir da tonalidade da pele, Frenette teve seus momentos de exercitar o poder da cor. Nesses momentos estava sempre acompanhado de outras crianças. "Gostávamos de ter sempre um pretinho por perto para nos sentirmos melhor do que ele. À moda das matilhas, apreciávamos a visão de uma presa inferiorizada".
Aos 11 anos de idade começou a mudança quando uma colega da escola declarou-se para ele, querendo namorá-lo. Ele não aceitou e a menina, em prantos, disse que a recusa se dava porque ela era preta. Nesse momento a clássica educação recebida trincou e nunca mais as partes foram coladas. O escritor conta que os amigos desse tempo dividem-se hoje entre racistas assumidos e enrustidos.
Ao se decidir a escrever o livro Frenette sabia de antemão que a obra teria uma carreira discreta porque vai direto a um ponto incômodo do cidadão comum: reconhecer-se como um a mais na vasta corrente que alimenta o ódio, ou no mínimo, o mal-estar pela diferença de cores.
A literatura sobre o assunto produzida no Brasil é asséptica, filtrada. "Ninguém coloca o dedo na ferida", reclama o autor. Para ele existe um alheamento generalizado, mesmo porque "o Brasil não se conhece nesse contexto, para ele o racismo acontece sempre em outro país".
Esse distanciamento é sintomático. "O tema não é muito querido dentro das questões sociais e psicológicas. O brasileiro acha maçante, chato falar sobre isso", continua Frenette. Insistente, ele acredita que é fundamental o cidadão comum perceber que faz parte de uma sociedade conservadora e segregacionista.
A apresentação do livro foi escrita pelo músico Lobão que afirma: "Todos nós - de uma maneira ou de outra - fazemos parte dessa história vergonhosa". Um mea culpa após constatar que "a nossa suposta democracia racial esconde uma sociedade cínica, obscurantista e de mentalidade escravocrata".
O jornalista observa que sua obra não aponta caminhos. Em "Preto e Branco - A Importância da Cor da Pele" escancara-se uma realidade, que é a continuidade de uma tradição histórica, milenar. "Como será a vida de um preto? Como será viver encurralado numa autenticidade sem descanso?", ele pergunta.
"Um judeu, se quiser, pode abdicar de suas crenças ao sentir na testa o cano frio do M16 de um árabe", da mesma forma que um homossexual "afirmar que gosta do sexo oposto quando isso for conveniente. Para quase todas as formas de discriminação, há momentos de trégua e alguma chance de conversão. Mas, para o preto, não há descanso. Ser preto é viver permanentemente em uma realidade hostil", escreve o jornalista em seu livro.
Na entrevista à Folha Dois Marco Frenette sinalizou com algumas mudanças. Tênues, mas reais. Assim como "existe uma multidão que atrasa a raça humana" há também alguns milhares de "pessoas do bem envolvidas com a questão racial". O problema é que a maioria supera muitas vezes a minoria. Mesmo assim há pontos positivos, como os focos de resistência em várias partes do Brasil e do mundo.
"O movimento pela paz é muito difícil, mas para a guerra é muito fácil. Por isso existem mais generais no mundo do que Gandhi", compara o escritor, referindo-se à luta diária. Enquanto o livro cumpre seu destino, outro está sendo escrito. O autor ocupa-se a relatar o comportamento das religiões cristãs no Brasil, a partir de 1550, frente ao negro. Munição é que não falta.
Serviço: "Preto e Branco - A Importância da Cor da Pele", de Marco Frenette, editado pela Publisher Brasil. 120 páginas. Custa R$ 19,00. Distribuição no Paraná: Livraria Millenium, de Curitiba, fone (41) 362-0296.