Foi depois que Eva nasceu, em setembro de 2012, que Angélica, 47, afirma ter passado a se enxergar como feminista. "Ela trouxe essa visão e a preocupação do que vai ser o futuro dela", diz. A menina é a única mulher entre os três filhos da apresentadora e de Luciano Huck, 49, pais de Joaquim, 15, e Benício, 12.
Angélica revela que, a partir do nascimento de Eva, refletiu sobre a sua própria trajetória e como viveu situações machistas ou reproduziu falas machistas, sem se dar conta disso. "Eu comecei a perceber que isso atrapalharia muito o futuro dela, e ela não precisa sofrer ou passar por isso", completa.
Conforme a menina foi crescendo, a necessidade de estar mais próxima da filha e de responder aos seus questionamentos foram aumentando -mesmo que, como pondera a apresentadora, Eva ainda não tenha idade para entender algumas das respostas. Desta forma, Angélica diz que pensou em escrever para a filha ler no futuro, quando tivesse maturidade para compreender determinados assuntos.
Conversando com o redator Pedro Drable, surgiu então a ideia de "Cartas para Eva", atração do Globoplay que estreou no início de janeiro, em que a apresentadora lê para a filha essas cartas. Entrevistas com outras mulheres contando suas experiências permeiam toda a atração, que tem cinco episódios, de cerca de meia hora cada um.
"Vejo hoje as adolescentes super feministas, acho tão bonito, tão bacana. E a gente tem tanto exemplo de mulheres que venceram mesmo nas adversidades, num mundo muito machista, muito patriarcal, e que tem muito a dizer para essas meninas", diz. O nome Eva acabou se encaixando neste conceito de representar todas as mulheres.
"Está tudo conectado, a luta de uma tem que ser a luta de todas [...] Não podemos deixar que esse bonde passe, temos que aproveitar essa onda feminista e falar dos direitos. A nova geração merece que a gente mostre esse caminho, sim", completa.
O primeiro episódio aborda a violência contra a mulher e apresenta depoimentos fortes da jornalista Miriam Leitão, 67, e da apresentadora Xuxa, 57. Leitão relembrou de quando estava grávida de seu primeiro filho e foi detida e torturada pela ditadura militar brasileira. "A minha geração sofreu muito em silêncio. Hoje, felizmente, a sua geração sabe gritar, denunciar", diz a jornalista para Angélica.
Ela também recorda de situações de assédios que viveu ao longo da sua carreira profissional. "Foram tantos os momentos em que eu fui tratada com menosprezo. Uma vez, eu estava entrando numa Redação, acabara de me separar, e ouvi um dos chefes, que estava atrás de mim, dizer assim: 'Essa aí é uma mulher disponível.' Foi como uma chicotada nas costas", afirma.
Xuxa também fala sobre o abuso que sofreu na infância e situações de assédio que viveu no trabalho. "Nos anos 1980, as mulheres eram vistas como objeto. Eu lembro de um diretor que me apertava e dizia assim: 'Menor, vai sair comigo hoje? Se não sair, volta para casa'. E ele fazia isso com várias mulheres que participavam do programa."
A apresentadora conta que foi demitida dois meses depois por não aceitar se envolver com ele. Ela destaca a importância de se posicionar e denunciar qualquer forma de violência. "Ficar em cima do muro é aceitar coisas erradas", diz.
Para Miriam Leitão, apesar de retrocessos recentes, é preciso se ressaltar que a sociedade tem avançado. "Como a gente pôde ter vivido sem a lei Maria da Penha durante tantos anos", indaga. A legislação que tornou mais rígida a punição aos agressores de mulheres entrou em vigor em 2006.
À reportagem, Angélica concorda que, embora seja lento, há uma evolução, sim, nas conquistas feministas. Na visão dela, porém, isso pode ser acelerado com as redes sociais e o mundo globalizado. "Temos que parar de usar isso para a política do ódio, e aplicar para a política do avanço e do amor. E eu acredito, sim, que a gente evoluiu bastante, podia ter sido mais, mas agora a coisa vai acelerar mais até pela consciência de todo o mundo."
A apresentadora destaca que se sente na obrigação como cidadã de focar em projetos que possam contribuir com assuntos importantes. "Tem muito o que falar, muito o que fazer e tem que usar a voz que a gente tem para isso", relata.
Para ela, o fato de "Cartas para Eva" ser apresentado no streaming dá mais liberdade para abordar e desenvolver determinados temas. "Na TV aberta, a gente teria mais dificuldade de falar disso", completa. Os outros episódios da atração falam sobre trabalho, sustentabilidade e preconceito.
Embora seja um programa só com mulheres, Angélica destaca que ele é fundamental para os homens entenderem as demandas feministas. A apresentadora diz, inclusive, que as discussões sobre o assunto são temas de conversa com seus filhos homens.
"Porque é um sofrimento muito grande para os meninos também esse machismo, eles perdem muito, eles perdem a sensibilidade da vida, a sutileza da vida. Essa coisa de 'homem não chora' e tal que a gente tanto falou para os nossos filhos e que é um absurdo, marca um trauma naquela pessoa para o resto da vida", diz. "Os homens devem ser feministas também. A gente conversa muito dessas coisas em casa, e os meus dois filhos são bem feministas, é muito bonitinho de ver", conclui.