Imagine uma prateleira. Normalmente, para sustentá-la é necessário um suporte que tem três partes –uma que fica na vertical junto à parede, outra na horizontal rente à prateleira e ainda uma terceira na diagonal.
Esse objeto é um ótimo exemplo de um triângulo retângulo e de uma aplicação do famoso teorema de Pitágoras.
"Como a prateleira tem um ângulo de 90º, esse ferrinho [na diagonal] faz a sustentação da prateleira. Quanto mais pesado for o material que você colocar na prateleira, mais forte terá que ser esse ferrinho. Esse ferrinho está fazendo o papel da hipotenusa de um triângulo", afirma Wladimir Neves, diretor do Instituto de Matemática da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A conversa sobre o teorema de Pitágoras veio à tona recentemente com a publicação de um tuíte do influenciador digital Felipe Neto. No último sábado (12), ele escreveu: "34 anos e ainda não precisei usar o teorema de Pitágoras. Creio q (sic) um dia irei... não podem ter me forçado a decorar isso a toa (sic)".
Talvez, da mesma forma que Neto, muitas pessoas nunca tenham aplicado o teorema na vida prática, mas com certeza ele já esteve presente em algum aspecto do seu cotidiano.
Antes de tudo, uma breve revisão pode ser útil. Pitágoras de Samos, um filósofo e matemático grego, viveu em torno de 570 a.C. a 495 a.C. na Grécia Antiga. O teorema leva seu nome, mas já há indicações de que não foi necessariamente ele que cunhou a fórmula.
"A gente tem uma perspectiva de que esse filósofo trouxe contribuições para desenvolvimento desse teorema, mas que na verdade havia uma difusão na época [dessa teoria] da geometria", afirma Paulo Trentin, professor do departamento de física do Centro Universitário FEI.
O teorema envolve uma fórmula simples e muitas vezes decorada à exaustão por alunos do ensino básico: a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa em um triângulo retângulo.
Esse tipo de triângulo tem necessariamente um ângulo de 90º, também chamado de ângulo reto. A hipotenusa fica na diagonal, sempre oposta ao ângulo reto, e os catetos são os outros dois lados retos.
A fórmula era muito usada na Grécia Antiga para diversas finalidades, como a medição de terras. "É uma contribuição geométrica que ajudava muito a trabalhar essas questões de desenvolvimento das regiões de irrigação e plantio", exemplifica Trentin.
Atualmente, ele também é constantemente referenciado na construção civil, mesmo que de maneira indireta. É aí que está uma área onde muito provavelmente o teorema pode ser visto no seu dia a dia.
Pense nas paredes da sua casa. Imagine que você quer descobrir se elas são realmente retas. Uma das formas seria com o teorema. Segundo Neves, é possível descobrir isso por saber o valor que deve ser a hipotenusa. Nesse caso, você precisaria da altura da parede e também marcar um ponto no chão onde se soubesse a distância dele para a parede.
"Você pega um barbante e coloca lá em cima da parede e até embaixo [no ponto que você marcou no chão] e você sabe com o Teorema de Pitágoras o quanto aquela distância [que seria a hipotenusa] tem que dar", explica Neves.
Um exemplo prático: uma parede que tem três metros de altura e o ponto marcado no chão está a uma distância de quatro metros.
"Se você pregar um prego lá em cima dessa parede e estender um barbante até o chão, a quatro metros de distância da parede, esse barbante deve ter cinco metros. Se ele tiver mais que cinco metros, a sua parede está caída para fora. Agora se ele tiver menos que cinco metros, a sua parede está caída para dentro", completa Neves.
Trentin também diz que "o uso que [os pedreiros] fazem do Teorema de Pitágoras é impressionante, [mesmo que não seja] exatamente o teorema tradicional".
Uma escada, por exemplo, é um outro caso em que a fórmula tem aplicação prática, segundo o professor de física. Nesse caso, todos os degraus são basicamente modelos de triângulos retângulos –a altura do degrau é um cateto, a base onde se coloca o pé é outro e a hipotenusa seria o valor da diagonal oposta a eles.
"A parte em que você dará a pisada na escada tem que ser exatamente uma região muito proporcional à altura [do degrau] que esse triângulo tem, projetado em relação à hipotenusa, de modo que você tenha uma inclinação de uma passada boa. Uma escada que eles [os construtores] chamam de pisada leve", explica Trentin.
O teorema também ganhou bastante repercussão na navegação, principalmente no mundo antigo em que a tripulação precisava se localizar sem o uso de aparelhos tecnológicos.
"Você observa que toda navegação antigamente era feita [...] com você medindo ângulos e calculando a hipotenusa de triângulos para você se localizar no mar", diz Neves.
Além dessas aplicações práticas, o teorema é importante para entender como funciona a própria matemática, explica Neves. "Uma vez provado um teorema, isso fica provado de uma vez por toda e essa é uma questão [...] do desenvolvimento da matemática".
Entender o teorema de Pitágoras passa por aprender o raciocínio de como se constrói a própria matemática –área de conhecimento que utiliza demonstrações para averiguar se uma regra está correta sem aplicar experimentos empíricos que possam mudar o resultado no futuro.
Desse modo, assim como o teorema não sofrerá mudanças no futuro por já ter sido demonstrado de diferentes formas, operações mais "básicas", como soma e subtração, também não terão alterações, pois todas elas representam o modelo de pensar a matemática. Aprender isso, em último caso, é importante para que as pessoas consigam ter um envolvimento maior com essa disciplina, ultrapassando a ideia de que é importante somente decorar fórmulas.
Para além das contas Dilemas como os expostos por Neto não são raros no mundo da matemática –e disso os próprios professores sabem.
"Uma coisa que fica muito distante quando a gente está ensinando no segundo grau, ou mesmo no primeiro, é trazer a importância desse raciocínio [lógico] através das contas que a gente está fazendo", diz Neves.
A dificuldade de mostrar que a matemática vai muito da resolução de um exercício também é apontada por Trentin, que, além de professor universitário, já lecionou no ensino básico. "A minha prática em sala de aula com as crianças [aprendei a] é mostrar para elas uma situação que pudesse remeter ao uso desse teorema", diz.
O professor também afirma que é importante observar que a matemática não é necessariamente como aquela vista nos livros. A lógica que um pedreiro utiliza para pensar numa escada, por exemplo, repercute completamente a ideia do teorema, mesmo que o construtor nem se lembre dessa fórmula matemática.
Isso, por si só, mostra como a matemática é completamente aplicável na vida cotidiana e, às vezes, passa de maneira imperceptível –indo desde um simples cálculo para o pagamento de uma compra em um supermercado até um raciocínio lógico que permite a construção de uma edificação de maneira adequada.