Canalhice e cafajestagem sempre estiveram presentes em bandas de rock'n'roll que fizeram a fama do estilo. Grupos clássicos como Rolling Stones, The Kinks e The Monkees deixavam a opinião pública de cabelos em pé devido ao mau comportamento de seus integrantes ou às barbaridades cantadas em suas músicas.
No Brasil, as bandas gaúchas TNT e Cascavelletes talvez tenham sido as que mais captaram o clima nos anos 80. Esta última, mesmo extinta, continua a gerar indignação graças à sacanagem contida nas letras de suas músicas mais conhecidas, como "Menstruada", seu maior hit. Em Curitiba, os Faichecleres assimilaram bem essas influências, e assim fazem juz ao título de "rock'a'nalha", como costumam se auto-definir. Suas músicas lembram tanto o rock gaúcho que muita gente de outros estados custa a acreditar que o grupo seja do Paraná.
Em atividade desde junho de 1998, o grupo passou a ser reconhecido nacionalmente nos últimos quatro meses, sendo convidado para tocar em festivais em diversas capitais brasileiras. Estão até concorrendo ao prêmio de melhor revelação de 2001 pela revista paulista Dynamite.
A formação inicial contava com os músicos Charles (vocal), Giovanni (baixo e voz), Marcos (guitarra e voz) e Tuba (bateria). Hoje tocam em formato trio, sem o vocalista Charles, afastado tragicamente devido a um acidente de carro que o deixou em estado de coma, há quase um ano. A boa notícia é que o antigo vocalista saiu do coma em outubro do ano passado e está se recuperando. Este e outros tantos assuntos são comentados pelo baterista Tuba e pelo baixista Giovanni nesta entrevista.
Bonde: Desde o começo, a maioria dos shows dos Faichecleres aconteciam em Curitiba. Nos últimos meses vocês passaram a tocar bastante em outros estados. Como isso começou a acontecer?
Tuba: às vezes, a gente tocava no interior . Mas o grande impulso foi com o Festival Upload, em São Paulo, realizado em novembro do ano passado. Nossa produtora, a Fan Produções, arranjou este show pra gente. Tocamos lá e fomos bem aceitos, nos demos bem. Depois disso começaram os convites para shows em todo o Brasil: Rio de Janeiro, Brasília, Florianópolis e Guarda do Embaú.
Giovanni:o primeiro convite depois do Upload veio do Rio de Janeiro. Tocamos no festival Freakium, do Leonardo Bonrim, que viu a gente no Upload. O bacana é que tínhamos apenas um show agendado e durante aquele final de semana conseguimos mais dois shows e uma aparição em programa de TV, o "Atitude.com".
Tuba: Estamos indo bastante para Santa Catarina. Fomos duas vezes para Florianópolis e uma para Guarda do Embaú. Agora nos chamam para tocar no estado duas ou três vezes por mês .
Bonde: Vocês foram a primeira banda da noite naquele dia do Upload. Havia pouca gente ainda no local. Pode-se dizer que vocês foram a banda menos vista e mais comentada do festival.
Tuba: Talvez por isso tenham rolado tantos comentários. Criou um clima de mistério. Quem divulgou bastante o nosso desempenho foi o jornalista Fernando Rosa do site Senhor F, de Brasília. Como fomos a primeira banda a tocar naquele dia, havia poucos jornalistas para nos ver. Mas não foi só o horário. Ficamos sabendo que mesmo sem nos conhecer, muitos jornalistas nem se preocuparam em assistir o show partindo do pressuposto de que no Paraná só tem banda ruim. Foi chato saber que o Paraná está com o filme queimado lá fora. Mas foi bom saber que depois muitos se arrependeram.
Bonde: Há muitos shows marcados pare breve?
Giovanni: Sim. Estamos com Goiânia na agenda. Vamos tocar lá no dia 11 de maio, no Festival Bananada, que já se tornou tradicional na cidade. Quem organiza é o pessoal da Monstro Discos. Vamos aproveitar o mesmo fim de semana para tocar em Brasília, na Noite Senhor F.
Bonde: Um lugar que eu acho que vocês ainda estão devendo é Porto Alegre. Afinal, vocês são praticamente uma banda gaúcha.
Tuba: A gente cresceu escutado rock gaúcho. Escutamos até hoje. Mas em Porto Alegre ainda não conhecem o nosso som. Está apenas rolando um burburinho. Uma galera de lá está se manifestando, mandando e-mails.
Giovanni: Eu e o Tuba somos, nascemos na cidade de Rio Grande, uma cidade perdida no interior do Rio Grande do Sul, quase divisa com o Uruguai. Somos gaúchos mesmo. Já o Marcos é catarinense da cidade de Rio Negrinho. Mas a banda, queira ou não, é de Curitiba. Eu e o Tuba fomos criados onvindo música do Rio Grande do Sul e levamos meio no sangue toda aquela sacanagem do rock gaúcho que falta para bandas de outras regiões. Trazemos isso como semblante da banda.
Tuba: O público de fora até estranha quando dizemos que somos de Curitiba. Eles acham que somos gaúchos. Nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste acham que a cena do Sul é fora de série. Muitas bandas de lá querem tocar no Paraná, Santa Catarina e Porto Alegre. Mas a cena do Sul nem é tão forte assim. Só mesmo a de Porto Alegre, que é autosuficiente, se sustenta sozinha.
Bonde: Todas as quartas-feiras vocês se apresentam no Empório São Francisco, um lugar onde só se toca cover. Como anda o repertório de composições próprias?
Giovanni:A gente começou como uma banda só de músicas próprias. Fazíamos um ou outro cover só de brincadeira. Acontece que um dia, fizemos um show que foi visto pelo Silvio, que é responsável pelas bandas que tocam no palco do Empório São Francisco. Ele gostou da gente e nos convidou para tocarmos no bar. Mas como o público do Empório gosta de cover, tivemos que reformular nosso repertório, incluindo muitas covers para um show de três a quatro horas.
Bonde: Mas o público do Empório não acha que vocês têm um repertório só de músicas próprias? Afinal, vocês tocam muitas covers de bandas gaúchas como TNT, Graforréia Xilarmônica e Cascavelletes, que o público médio não conhece e talvez ache que são músicas dos Faichecleres.
Giovanni: Pois é. Isso acontece. Tocamos uma média de duas covers para cada música própria, mas deve ter gente achando que é mais.
Tuba:Mas a maiora da galera que vai ver a gente no Empório quer ouvir nossas composições próprias. Muitos até já sabem cantar as letras. E nossos covers não são manjados mesmo. Não temos o costume de tocar os hits de nossas bandas favoritas, mas sim as canções lado B, as menos comerciais de Beatles, Stones, The Who, Kinks, entre outras.
Bonde: Na metade de 2001, o vocalista Charles sofreu um acidente de carro e ficou em Coma. Em outubro ele despertou. Como está o estado de saúde dele agora?
Tuba: Ele está fazendo fisioterapia e aos poucos está recuperando os movimentos. Ele sempre comparece aos nossos shows no Empório.
Bonde: Ele já está andando e falando?
Giovanni: Não. Por enquanto ele está em cadeira de rodas. Com certeza vai demorar um pouco para ele se recuperar totalmente. O Charles está lúcido mas ainda não fala. Se comunica por gestos ou escrevendo em papéis.
Bonde: Vocês acham que ele pode volta a tocar com a banda novamente?
Giovanni: Com certeza. Quando puder, ele volta a nos acompanhar nos shows. Mesmo que não tenha se recuperado completamente. Se for preciso, eu carrego ele.
Tuba: Eu também.
Giovanni: E a gente garante que ninguém vai entrar no lugar dele.
Bonde: No ano passado, os Faichecleres e o Pelebrói Não Sei tornaram-se bandas irmãs, tocando junto, inclusive. O Pelebrói também tem forte influência do rock gaúcho. Foi daí que surgiu a ligação?
Giovanni: Por incrível que pareça, nossa amizade não iniciou graças à música, mas sim à cerveja. Quando nos conhecemos, o vocalista Oneide estava bêbado e veio encher nosso saco. Mas a gente se entendeu e acabou virando amigo de copo. Depois descobrimos que tínhamos uma admiração mútua pelo rock gaúcho. O Oneide vem de Foz do Iguaçu. Lá existe uma concentração de cultura gaúcha. Pra cima e pra baixo tem CTG (centro de tradições gaúchas) naquela cidade. Muita gente por lá fala "tchê" e "bah", além de torcer para o Internacional ou para o Grêmio.
Bonde: Há rumores sobre o lançamento de um CD dos Faichecleres. Em que pé está esta história?
Giovanni: Estamos trabalhando com a Fan Produções para chegar a esse objetivo. O Ricardo, que trabalha na produtora e canta no Bartenders, está nos dando uma força enorme, por sinal. Pretendemos estar com o CD pronto até julho .
Tuba: Mas no nosso planejamento não existe apenas a prensagem do CD. Queremos fazer um grande lançamento. Não dá pra gravar um disco e vender só pros amigos, como tantas bandas independentes do Brasil fazem. Temos a vantagem de estarmos com contatos estabelecidos pelo Brasil afora. Muita gente está ansiosa pelo CD.
Bonde: De toda essa efervecência pela qual a banda passa ultimamente, o que foi possível observar quanto à cena alternativa nacional?
Giovanni: Depois de tocamos fora em várias capitais brasileiras, chegamos à conclusão de que a cena de Curitiba está tri-boa. Florianópolis é um bom parâmetro neste sentido. Apesar de lá ter acontecido dois festivais, não existe nenhuma casa para as bandas tocarem na cidade. Porto Alegre e São Paulo, que têm fama de possuírem boas cenas, também são extremamente carentes em casas de shows para bandas independentes. A reclamação é geral no Brasil afora, inclusive em Curitiba. Mas aqui a cena está boa. Os curitibanos têm que se tocar disso.