Três anos depois e com a popularidade ainda tinindo graças a quase dois milhões de cópias vendidas com seu ‘ao vivo’, Djavan sai dos estúdios trazendo debaixo do braço um disco com músicas inéditas. ‘Milagreiro’, teoricamente, tem pela frente a incumbência de manter o cantor e compositor alagoano em evidência – se não como um bom vendedor, ao menos como um artista de grande apelo popular que também consegue produzir discos mais estáveis do ponto de vista estético. Mas se Djavan em seu 15º disco vai emplacar ou não, isso são outros quinhentos. Afinal, antes de mais nada ele é um criador. ‘Quando faço um disco não fico pensando se essa ou aquela música atende às tendências do mercado ou se vai tocar no rádio. Eu faço a minha parte e faço com prazer. Quanto à divulgação isso já é de responsabilidade da gravadora’, disse Djavan em entrevista à Folha2, por telefone.
Partindo dessa premissa, ‘Milagreiro’ nada mais é que um produto. Um novo produto que está à disposição dos senhores compradores, inclusive ou principalmente daqueles que se renderam em 99 às releituras dos maiores sucessos que o cantor e compositor emplacou na comemoração de seus 25 anos de trajetória. O material inédito de ‘Milagreiro’ merece ser apreciado com acuidade de sentidos. Se a maioria das letras beira a simplicidade franciscana, as melodias ainda atiçam possibilidades. Ou seja, Djavan se sobressai atualmente mais como um habilidoso burilador de harmonias do que o inspirado letrista de outrora.
Um fato notável: a melancolia dos trabalhos anteriores está aplacada. Djavan canta e toca o amor em suas várias vertentes sem afetar os alegres ânimos dos ouvintes. Sim, ‘Milagreiro’ prima pelo otimismo. E um dos motivos atende pelo nome de Sofia, filha recém-nascida do artista que veio ao mundo durante o registro do disco. ‘Quando me perguntam se eu não fiz nenhuma música para ela eu respondo que todas as músicas do disco foram feitas pensando nela. Afinal, esse trabalho foi gerado numa atmosfera de fraldas’, brinca ele.
Mimos à parte, em ‘Milagreiro’ Djavan consegue envolver ouvintes mesmo que não tenha, no disco, ‘aquela’ – sabe ‘aquela’? Das 11 faixas, talvez ‘Meu’, uma bossa nova moderninha, seja a mais agradável e palatável ao gosto de gregos e troianos. Já ‘Cair em Si’ contém laivos do bom baladista. ‘Brilho da Noite’, no entanto, se destaca por suas harmonias intrincadas e letra afiada (‘Quando quero ficar feliz/Começo a pensar/ em você me lambendo).
‘Milagreiro’, a canção com toques flamencos traz a participação de Cássia Eller num admirável duelo vocal com o autor. Outra novidade é a inauguração de parceira entre Djavan e Lulu Santos em ‘Sílaba’, outro bom momento. Os solos de guitarras com levadas jazzísticas ainda alinhavam algumas das canções – eis o velho e bom Djavan marcando presença com seu estilo. O disco se apóia num pequeno mas funcional quarteto de músicos. São eles: Sérgio Carvalho (baixo), Renato Fonseca (teclados), João Viana (bateria) e Max Viana (guitarra), os dois últimos filhos de Djavan. ‘Essa relação com meus filhos já vem de muito tempo. Costumo dizer que o código musical da família já se tornou inteligível para todos’, analisa ele.
Uma coisa á certa: ‘Milagreiro’ não é um disco redondinho, formatado para o sucesso rápido, apesar de ‘Farinha’, a faixa de abertura, se enquadrar perfeitamente na categoria ‘forró universitário’. Faz-se necessário um tempo para absorver a riqueza melódica do produto. Não que seja um disco cerebral, técnico, daqueles feitos para se admirar as manobras harmônicas nas horas vagas. Nada disso. Trata-se de um disco sofisticado e agradabilíssimo com o qual Djavan deixa bem claro que não se deixou seduzir pelos afagos populares recebidos com o seu ‘Ao Vivo’ que vendeu tanto quanto bijuteria barata. Um artista coerente sabe quando é hora de fechar o armarinho de miudezas e reabrir a ourivesaria.