Marília Mendonça morreu há um ano, mas seu legado ainda dita os rumos do feminejo, vertente do sertanejo em que as mulheres são protagonistas. Se estivesse viva, ela veria surgir Ana Castela, uma cantora de 18 anos que tenta reciclar o gênero ao trazer a ele elementos de funk e pop num ritmo chamado agronejo.
Castela quer levar o sertanejo para as pistas eletrônicas cantando sobre sua vida caipira. Apesar de inusitada, foi essa mistureba que deu certo no hit "Pipoco" e a içou ao topo da lista de músicas mais ouvidas do Spotify.
É um movimento pioneiro, como o de Mendonça com sua "Infiel", de 2015. Numa época em que o sertanejo era dominado por homens, a cantora explodiu com uma sofrência feita para humilhar o macho traidor.
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Castela canta sobre fazendeiras patricinhas que passam perfume com cheiro de mato e têm unhas de gel sujas de terra em "Boiadeira", nome pelo qual ela passou a ser conhecida. "As boiadeira não dá pra encarar, batom vermelho pros playba chorar/ Nós tá embaçada, na galopada, nem oito segundos o peão não aguenta com essa sentada", ela versa em "Pipoco", uma parceria com o DJ Chris no Beat e MC Melody.
Se hoje a novata faz sucesso num ritmo derivado do sertanejo falando de fazendeiras que se maquiam e sensualizam, é porque Mendonça um dia quebrou os paradigmas do gênero para empilhar hits feministas.
A rainha da sofrência, como ficou conhecida, nunca escondeu que gostava de uma cervejinha e foi uma das primeiras cantoras de sertanejo a fazer música sobre bebedeira. Em "Bebaça", por exemplo, canta sobre uma noitada entre garotas. "Amiga, cê tava bebaça, subindo na mesa, virando garrafa, tomou tudo, tomou fora, só não tomou vergonha na cara."
Na faixa "Supera", cujo clipe tem quase meio bilhão de visualizações no YouTube, Mendonça estende o ombro amigo para uma colega que foi rejeitada. "Ele tá fazendo de tapete o seu coração, promete pra mim que dessa vez você vai falar não. De mulher pra mulher, supera", canta.
Apesar de ter crescido fã de Mendonça, Castela afirma que a sonoridade das duas não é a mesma. "Sou muito eclética", disse em entrevista a este jornal.
"Não sou sertanejo, não canto sertanejo. Quem canta sertanejo é Maiara e Maraisa, Marília Mendonça. Eu canto agro, agro com pop, agro com funk. Meu estilo na roupa é sertanejo, mas o que sai da minha voz é diferente. Sou do agro e gosto de Luísa Sonza, de Anitta. Por que não juntar?"
Castela pode até dizer que se vê distante do sertanejo, mas ela pisa hoje num terreno preparado por Mendonça no passado.
A cantora, morta num acidente de avião em Minas Gerais, furou a bolha e fez suas canções caírem na boca dos brasileiros, fãs de sertanejo ou não. Ela mexeu nas engrenagens de um mercado machista e abriu portas não só para Castela, mas também para Mari Fernandez e Alexia Reis, esta a nova aposta do WorkShow, escritório do qual Mendonça fazia parte.
Castela tem mérito no seu sucesso também, é claro. Com a empolgação de uma principiante, a garota sobe efusiva aos palcos, faz dancinha de TikTok por onde passa e esbanja carisma. Na última premiação musical do Multishow, em que ganhou o troféu de artista revelação do ano, ela pulou, requebrou até o chão e dançou até ficar ofegante.
Diz que não opina sobre política num Brasil rachado ao meio por causa das eleições. É o papel de uma "isentona" que chegou agora e não quer fazer inimizade nem com a ala bolsonarista do sertanejo nem com os cantores de pop e funk mais pró-Lula.
Ainda é dona de um hit só e precisa decidir para onde vai a partir de agora. Marília Mendonça abriu sua porteira, mas quem galopa pelo restante da estrada é só a Boiadeira.