Loretta McLaughlin, uma jornalista inquieta, não gosta do que vê diante dela -uma torradeira. Repórter de comportamento do jornal Boston Record American, ela é mais uma vez incumbida de escrever sobre algo muito menos empolgante do que gostaria. Enquanto isso, do lado de fora da redação, havia um assassino estuprando e estrangulando mulheres com meias-calças.
Cobrir a história, convenhamos, é muito mais emocionante do que avaliar se o pão está sendo torrado como deve ser. Mas era o início dos anos 1960, e não só haviam pouquíssimas mulheres jornalistas, como era ainda mais raro vê-las escrevendo nas páginas policiais. A despeito disso, McLaughlin insiste até conseguir.
Matt Ruskin, diretor e roteirista de "O Estrangulador de Boston", disponível no Star+, encontrou na repórter um canal para dramatizar esse que é um dos casos mais célebres de assassinatos em série dos Estados Unidos -e que até hoje segue não resolvido. O diretor de 44 anos, que nasceu e cresceu em Boston, conta que a história lhe é um bocado familiar.
Leia mais:
Walter Salles comemora indicações de 'Ainda Estou Aqui' ao Globo de Ouro
Fernanda Torres é indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz por 'Ainda Estou Aqui'
'Ainda Estou Aqui' é incluído na NBR, prêmio tradicional da crítica americana
Selton Mello diz que cena mais difícil de gravar foi em 'Ainda Estou Aqui'
"Foi o primeiro serial killer a atuar em uma grande cidade americana durante a era dos meios de comunicação de massa", diz o cineasta à Folha de S.Paulo. "Sete jornais estavam cobrindo o caso constantemente. Tornou-se uma lenda urbana. Eu cresci escutando a respeito dele como se fosse o bicho-papão, mas não sabia dos detalhes, assim como as pessoas da minha idade com quem conversei."
O ineditismo na abordagem difere a produção de uma série de outras inspiradas no caso. Alguns de destaque são "O Homem que Odiava as Mulheres", com Tony Curtis e Henry Fonda, e "Uma Face para Cada Crime", com George Segal, que adapta o romance homônimo de William Goldman. A música "Midnight Rambler", dos Rolling Stones, também é inspirada no caso. Todos foram lançados na mesma década em que os crimes ocorreram.
No longa de Ruskin, um thriller envolto a uma aura elegante e sinistra, Keira Knightley dá vida a McLaughlin, enquanto Carrie Coon interpreta Jean Cole, que se une à colega na tarefa, por ser mais experiente em investigações.
Mesmo em meio ao machismo estridente no local de trabalho, elas se tornaram pioneiras por mostrar as similaridades ritualísticas dos 13 assassinatos e, por tabela, a inércia das instituições. No elenco também estão Chris Cooper, vencedor do Oscar, como o editor à frente do jornal, e Alessandro Nivola como um investigador desiludido.
Ruskin, conhecido por se colocar no mapa de Hollywood com "Crown Heights", um drama independente de 2017, une em "O Estrangulador de Boston" vários de seus interesses do pop -o true crime, filmes sobre jornalismo, como "Todos os Homens do Presidente" e "Boa Noite e Boa Sorte", e o trabalho de David Fincher, especialmente "Zodíaco" e a série "Mindhunter".
Falando nesta série da Netflix, o trabalho de McLaughlin e Cole antecipa os acontecimentos dramatizados por ela ao mostrar as jornalistas traçando um perfil psicológico do assassino, algo que o FBI viria a sistematizar apenas no fim da década seguinte.
O diretor conta ter pesquisado o caso de estrangulador por um ano e lido todas as reportagens da dupla. "Conversei com os filhos delas, o que me permitiu entendê-las como pessoas e como trabalhavam", afirma. "Isso me deu uma boa ideia do impacto das reportagens na cidade e como foi ter superado o machismo em uma redação majoritariamente masculina."
Ruskin defende que seu filme é atual por reforçar que a desigualdade de gênero ainda custa muito às mulheres e até hoje permanece um enigma a identidade do responsável pelas mortes -ou talvez seja mais de um.
Albert DeSalvo, vivido por David Dastmalchian, confessa ser o autor dos crimes, mas a polícia não encontrou evidências que pudessem corroborar a fala dele. Em 2013, DeSalvo foi ligado, via exame de DNA, a um dos assassinatos. "Ninguém foi condenado, então a história ainda tem várias zonas cinzentas e pontos de interrogação", afirma o diretor.
Segundo Ruskin, o longa é contemporâneo também por mostrar o compromisso do jornalismo com os fatos. Por outro lado, a ironia é o Boston Record American ter se tornado o Boston Herald, que em 2020 apoiou publicamente a candidatura de Donald Trump.
O ESTRANGULADOR DE BOSTON
Quando Disponível no Star+
Classificação 16 anos
Elenco Keira Knightley, Carrie Coon, Chris Cooper, Alessandro Nivole e David Dastmalchian
Produção EUA, 2023
Direção Matt Ruskin