A decisão central que carrega a trama de "A Despedida" já foi tomada quando o filme começa. Foram meses de debates e discussões, mas agora chegou a hora de a matriarca da família, Lily, vivida por Susan Sarandon, morrer.
Lily sofre de uma doença degenerativa não mencionada, e já não tem o movimento de um dos braços e anda com dificuldade. Decidiu por uma eutanásia conduzida por seu marido, Paul, interpretado por Sam Neill, um médico. Quer pôr um ponto final em sua existência enquanto ainda tem alguma autonomia.
Com uma premissa dessas, aliada ao fato de ser a adaptação de um drama dinamarquês, pode parecer que "A Despedida", disponível para aluguel nas principais plataformas, seja impossível de tão deprimente. Mas o diretor sul-africano Roger Michell, de "Um Lugar Chamado Notting Hill", de 1999, junto do roteirista dinamarquês Christian Torpe, autor do roteiro de "Coração Mudo", filme de 2017 que originou esta versão, conduzem a trama com delicadeza e combinam com habilidade a tristeza fundamental da história com algum humor.
E sem muitas lições de vida. "Você aparece e faz o melhor que puder", diz Lily ao neto. Além dessa constatação, dois únicos conselhos -"mande bilhetes de agradecimento por escrito e seja pontual." Questões fundamentais sobre a vida permeiam todo o roteiro de "A Despedida", mas o filme desvia com inteligência dos clichês mais óbvios que rondam histórias sobre como a morte pode ser uma experiência cheia de beleza e graça.
A preparação para a morte de Lily se dá em um fim de semana em família, na linda casa de praia do casal, que também convida a melhor amiga dela da vida inteira, Liz, papel de Lindsay Duncan. Vão as duas filhas, Jennifer e Anna, representadas por Kate Winslet e Mia Wasikowska, seus parceiros, Michael, interpretado por Rainn Wilson, e Chris, papel de Bex Taylor-Klaus, além de Jonathan, o filho adolescente de Jennifer e Michael.
A ideia de Lily e Paul é passar de sexta a domingo entretendo os convidados, comendo, bebendo, fazendo brincadeiras e tendo conversas descontraídas. No final do domingo, ela se despede de todos e toma a dose letal do remédio encomendado pela internet e que está separado em um armário da cozinha.
Apesar dos participantes conhecerem perfeitamente bem o plano e terem tido longas discussões prévias a respeito, nem todos, especialmente as filhas, aceitaram de verdade a decisão da mãe. E, como acontece quase toda vez que se reúne filhos, maridos, melhores amigos e netos, a reunião não é tão tranquila quanto programada. Conforme o tempo passa, a proximidade do suicídio assistido de Lily vai provocando uma verdadeira ebulição emocional nos personagens.
Anna e Jennifer, o oposto uma da outra, entram logo em atrito. Jennifer é a careta da família, faz tudo certinho, é uma filha exemplar, esposa fiel e mãe devotada. Já Anna não tem muito rumo na vida, tentou várias carreiras, não seguiu nenhuma, tem histórico de uso de drogas e tem um relacionamento turbulento com Chris. E, no curso da história, é ela quem faz a primeira de uma série de revelações que perturbam o fim de semana perfeito planejado por Lily e Paul.
Mas o que segura o filme do começo ao fim é a segurança de Lily em relação à decisão dramática que tomou. E Susan Sarandon está espetacular como essa mulher forte enfrentando uma situação de vulnerabilidade. Sua personalidade não fraqueja, ainda que seu corpo o faça cada vez mais.
A protagonista se beneficia também do elenco talentoso que tem ao redor. Kate Winslet, como quase sempre, está impecável, apesar de só brilhar mesmo na segunda metade do longa. Mia Wasikowska é toda nervos à flor da pele, enquanto Sam Neill encarna o pacificador no meio de um turbilhão.
"A Despedida" dá conta de uma história simples, mas muito bem realizada. Ao mesmo tempo, tem a trama mais definitiva que há: fala de vida, de morte e do que acontece entre uma coisa e outra.
Confira o trailer: