Nos anos 2000, a Disney decidiu transformar um dos brinquedos mais clássicos e adorados de seus parques temáticos numa franquia cinematográfica. O sucesso foi avassalador e "Piratas do Caribe", mesmo que tenha definhado com o passar dos anos, resultou em cinco filmes, 11 indicações ao Oscar e US$ 4,5 bilhões de bilheteria, ou cerca de R$ 23 bilhões.
A ideia de transformar atrações em longas não parecia ruim –ao mesmo tempo em que reaproveitava um conceito já existente, fazia propagandas para a Disneyland e companhia. Mas, na onda dos piratas, vieram verdadeiros fiascos que usavam a mesma ideia –"Mansão Mal-Assombrada" e, bem depois, "Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada É Impossível".
Agora, a ideia de beber da fonte dos parques temáticos de Mickey Mouse ressurge com "Jungle Cruise", que chega aos cinemas e ao Disney+ nesta semana. Inspirado na atração homônima inaugurada em 1955, que leva os visitantes dos parques por um passeio de barco na floresta, o longa é estrelado por Dwayne Johnson e Emily Blunt.
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Ela dá vida a uma botânica britânica dos anos 1910 que, a exemplo de seu pai, parte para a Amazônia em busca de uma flor capaz de curar qualquer doença e quebrar maldições. Num vilarejo no norte do Brasil, ela contrata o personagem de Johnson, dono de um barco, para a guiar na aventura.
No caminho, eles precisam desviar de ameaças selvagens, de um submarino alemão que quer encontrar a flor para conseguir vencer a Primeira Guerra Mundial e do espírito de um conquistador espanhol que, amaldiçoado, foi condenado a viver às margens do rio até o fim dos tempos.
Segundo as críticas que saíram até agora, "Jungle Cruise" não é nenhum "Piratas do Caribe", mas está longe de ser rechaçado do jeito que "Mansão Mal-Assombrada" e "Tomorrowland" foram. Isso não quer dizer que a Disney não tenha errado o tom também nesta adaptação de brinquedo para filme.
Por enquanto a imprensa estrangeira não parece ter notado –e nem dá sinais de que vai se importar com isso–, mas "Jungle Cruise" escancara um desconhecimento tremendo dos produtores em relação ao Brasil. Sem nenhum brasileiro no elenco –num filme que se passa quase que inteiramente no país, veja bem– ou em cargos importantes na equipe técnica, erros bobos passaram despercebidos.
Talvez o maior exemplo seja o da moeda em circulação no Brasil no início do século passado –era o mil réis, e não o real, dito por vários personagens enquanto eles negociam o valor do barco de Dwayne Johnson. Já a arquitetura do vilarejo amazônico de onde a embarcação sai mais parece uma vila mexicana. Por fim, o ator hollywoodiano conta à personagem de Emily Blunt uma lenda sobre o boto-cor-de-rosa, que nada tem a ver com a que conhecemos.
Contrariando a máxima de que "é tudo a mesma coisa", mas defendendo as escolhas da Disney e do diretor Jaume Collet-Serra, egresso de filmes de terror, o ator venezuelano Edgar Ramírez diz que aquilo é só faz de conta e que as pessoas precisam se permitir embarcar naquele cenário sobrenatural e irreal de "Jungle Cruise".
"Olha, esse é um filme de fantasia, decorado com elementos que nos fazem ser transportados para uma aventura. Não é um documentário, não fala de personagens históricos. Acho que deveríamos ser compreensivos, porque se tornamos uma história muito específica, ela fica muito restrita", diz o ator, que interpreta o vilão espanhol do longa.
Por outro lado, ele celebra o fato de ser um latino-americano num papel importante de um blockbuster do tamanho de "Jungle Cruise". Ele diz que é "lindo" ver a representatividade que vem tomando Hollywood, mas admite que ainda há trabalho a ser feito.
Essa representatividade da qual Ramírez fala pode ser um problema para o filme não apenas pela ausência de brasileiros numa trama ambientada no Brasil. Em determinado ponto da história, os protagonistas encontram uma tribo nativa. Sua líder não é uma atriz de ascendência indígena ou ao menos sul-americana, mas a mexicana Veronica Falcón.
O filme também vem sendo celebrado por trazer uma cena de saída do armário de um personagem realmente importante, de forma bastante sincera e destacada. Por outro lado, quem dá vida ao irmão gay da protagonista de Emily Blunt é Jack Whitehall, um ator hetero que incorpora diversos estereótipos associados aos gays.
"Jungle Cruise" ao menos copia o que a atração na qual é inspirada fez recentemente –o filme subverte a história que costumam nos contar para mostrar os males e a violência da colonização europeia e do colonialismo na América Latina.
Há poucas semanas, na esteira do lançamento do longa, os parques da Disney reformularam Jungle Cruise, o brinquedo, depois de uma modernização que removeu passagens encaradas como racistas.
É um passo importante para estarmos em sintonia com os tempos atuais, diz Ramírez. "Nós precisamos acompanhar o mundo em que vivemos, abraçando as mudanças necessárias para que haja justiça. É uma evolução saudável e também inevitável."