Amy Adams sai da sala reservada no W Hotel, um dos principais de Hollywood, e o repórter estende a mão para ela. A atriz recusa o cumprimento e oferece o cotovelo. Não é ataque de diva. Estamos no início de março de 2020 e o coronavírus começa a se espalhar pelos Estados Unidos, mas o cinema tenta seguir a vida normalmente.
Um ano e dois meses depois do encontro, Adams vê seu "A Mulher na Janela", thriller baseado no best-seller de A. J. Finn, enfim estrear depois de dois adiamentos.
O suspense dirigido por Joe Wright, o mesmo de "O Destino de uma Nação", e roteirizado por Tracy Letts, de "Álbum de Família", estava previsto para outubro de 2019, mas as primeiras sessões-teste foram desastrosas -o produtor Scott Rudin, hoje alvo de acusações de assédio moral, contratou Tony Gilroy para reescrever o terceiro ato.
Segundo a revista The Hollywood Reporter, o filme continuou recebendo péssimas avaliações mesmo com as mudanças, mas a data de 15 de maio de 2020 finalmente parecia certa para a estreia nos cinemas.
Isso até que a pandemia começou a tomar os Estados Unidos e o governo declarou estado de emergência, em março do ano passado, motivando não só a adoção de medidas de isolamento, mas também o fechamento dos cinemas no país.
"A Mulher na Janela" começou a carregar uma nuvem negra que não parecia se dissipar. Em fevereiro de 2019, a revista The New Yorker publicou uma reportagem retratando o autor A. J. Finn, pseudônimo de Dan Mallory, como um mentiroso compulsivo que falsificou seu currículo e fingiu ter doenças graves para comover colegas e superiores e escapar de certas situações quando trabalhava numa editora.
Amy Adams não sabia disso quando o autor esteve nas filmagens do longa, em 2018. "Ele veio ao set uma ou duas vezes com seus amigos", recorda a atriz. "Minha experiência com ele foi a de uma pessoa muito educada e empolgada."
Com a dinâmica da indústria totalmente alterada por causa da pandemia, a Disney tomou uma decisão mais radical em relação ao longa protagonizado por Adams -desistiu de lançar o filme em suas plataformas, tanto físicas quanto virtuais, e vendeu os direitos de exibição para a Netflix. A plataforma de streaming estreia agora o longa, que surge na esteira de sucessos como "Garota Exemplar", de 2014, e "A Garota no Trem", de 2016.
Sem esconder as semelhanças com o clássico "Janela Indiscreta", o suspense conta a história de uma psicóloga vivida por Amy Adams que, durante uma crise aguda de agorafobia -medo de sair de lugares onde a pessoa se sente segura-, testemunha um suposto crime cometido por um vizinho.
"'Janela Indiscreta' informa a minha personagem, e é por isso que ela começa a ver o mundo dessa maneira, sem confiar nela mesma. Teria ela visto algo que não era real?", questiona a atriz. "Também há a noção de identidade, outro elemento que Hitchcock trabalhava muito bem."
Mas "A Mulher na Janela" é mais um mergulho na ansiedade da protagonista, uma sensação que Adams conhece bem. "Já tive ataques de ansiedade antes", diz ela, que aprendeu a controlar o problema com yoga e exercícios de respiração. "Vou soar como uma idiota, mas aprender a respirar foi algo importante para mim. Agora, tenho uma relação saudável com a ansiedade."
Ironicamente, o filme levou a atriz para oito semanas de filmagens quase solitárias num estúdio em Nova York. O diretor Joe Wright decidiu recriar inteiramente a casa da psicóloga de Adams para ter controle do ambiente.
"Quando alguém aparecia no set era uma festa", brinca a atriz. "Mas foi a decisão certa, porque permitiu que Joe capturasse ângulos que seriam impossíveis numa casa de verdade. Tivemos o privilégio de mover uma parede ou mudar a luz para controlar o ambiente, algo que adoro."
A experiência normalmente afetaria qualquer ator hollywoodiano, mas Adams aproveitou o processo longo e íntimo para mergulhar nos problemas de saúde mental da sua personagem, que vêm de um trauma avassalador.
"Passávamos semanas na mesma cena por longos períodos. Isso me pôs numa posição emocional que exaustão não definiria. Era como um avião esperando na pista a hora de decolar", conta ela, que sofre de claustrofobia.
"Não sei se é ansiedade social ou só claustrofobia. Sinto como se as paredes se aproximassem quando estou em ambientes com muita gente ou quando alguém põe a mão sobre minha boca", revela a estrela, indicada a seis troféus no Oscar. "Normalmente, saio para respirar ar puro e digo que está tudo bem. Desde que comecei a falar sobre isso, notei que é uma sensação comum para muitas pessoas."
Pode ser, mas isso se torna um desafio maior quando você precisa mergulhar na paranoia de outras personalidades como profissão. "Sempre tentei trabalhar a partir da direção da personagem. Procuro descobrir o que temos em comum, mas sou capaz de separar minha história, apesar de ainda ser uma obra em andamento", diz Adams. "Às vezes, fica um resíduo, então você precisa arrancar isso de você mesma."
E é notável que Amy Adams não para de desafiar suas limitações, indo para caminhos bem sombrios. Em "Objetos Cortantes", minissérie de 2018 baseada no livro de Gillian Flynn, a atriz interpreta uma alcoólatra que se automutila. No drama "Era uma Vez um Sonho", de Ron Howard, lançado no ano passado, ela faz uma mãe viciada em drogas. Na adaptação do musical "Dear Evan Hansen", prevista para o segundo semestre deste ano, ela vive a mãe de um adolescente que se suicida.
"Também percebi isso. Mas são os papéis que recebo. Não os escolho por serem sombrios, mas porque são estudos de personagens complexos e intricados. Me sinto com sorte por poder examinar essas personalidades. Só depois que noto que estou pendendo para um lado bem sombrio", diz a atriz, com uma gargalhada. "Acho que é hora de voltar a fazer uma comédia."