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Há pouco menos de um ano, o mundo da moda brasileira foi abalado por uma polêmica que não ganhou as capas de revistas nem a atenção dos blogueiros. A MC e fashionista Luana Maia decidiu abandonar o título de "planetária", termo usado por jovens que se vestem dos pés à cabeça com roupas da Planet Girls.
Oriunda da periferia de São Paulo, Luana era uma embaixadora não oficial da marca brasileira, mas deixou o estilo, pois não recebia apoio da grife que é sonho de consumo de meninas nos bailes e festas nas margens da cidade -rostos diferentes daqueles exibidos pela marca em suas peças publicitárias.
A um oceano de distância, a rapper e também fashionista Ajuliacosta caminha em Paris. Ela bate perna entre desfiles e eventos de grifes internacionais, faz fotos e vídeos para seu Instagram e ainda arranja espaço para um show. Nas roupas, veste, entre outros, sua própria marca de roupas.
AJC, como também é chamada, fez seu debut na Semana de Moda de Paris no fim de setembro. Sem barganhar pela atenção de nomes de peso da moda nacional e mirando além do Brasil desde cedo na carreira, a artista se consolida à frente de uma geração de rappers mulheres que vem ampliando os diálogos do hip hop na cultura brasileira.
"O Brasil ainda tem um separatismo e, por mais que a periferia seja o lugar que mais consome determinadas marcas, você ainda tem casos como o da Planet Girls, que não quis se relacionar com a Luana Maia", diz Ajuliacosta, na sala do apartamento que alugou para a viagem à França. "O rap feito por mulheres tem feito esse contato porque nós temos a cara, a postura, e flertamos muito com a moda, então por que não ocupar os desfiles e as capas de revista?"
Ao lado de AJC, há nomes como Duquesa, baiana e parte do selo Boogie Naipe, do rapper Mano Brown, MC Luanna, e Tasha e Tracie, gêmeas de ascendência nigeriana que serão juradas do primeiro reality show de rap da Netflix no Brasil, o "Nova Cena". "Quinta eu vou pro lounge, dia de Hard e Swarovski com bolsinha da Diesel e sainha da Cyclone", canta o duo na música "Arrume-se Comigo".
"Antes de entrar no rap, eu fazia customização de roupas, quando tinha 14, 15 anos, e vendia essas peças na escola", lembra Ajuliacosta, que se mudou de Mogi das Cruzes para São Paulo quando observou que a demanda por suas criações na capital só aumentava. "Na capital, comecei a entender o que rolava de rap, moda de rua, comecei a me conectar com produtores de hip hop."
Após flertar com o rap nas batalhas de rima da sua cidade, Ajuliacosta aproveitou a reclusão da pandemia para voltar às letras. Em "Mina Chavosa", canta o dia a dia de uma jovem de quebrada em São Paulo: "Se eu ficar de favela os polícia joga pimenta, e se eu for pro centro eles vão dar enquadro: se é pelo sistema eu só trabalho e não saio".
Em Paris, Ajuliacosta saiu a trabalho. Seu último compromisso foi um pocket show no Cité de la Mode, complexo que recebeu a primeira edição do festival Karnaval With Love -evento voltado para as músicas das comunidades negras francófonas, especialmente do Caribe.
"Sou uma rapper da América Latina", disse a jovem, no palco, em inglês, pouco antes de começar a rimar sobre uma base de dembow, gênero musical dominicano com andamento próximo ao funk. Na plateia, algumas brasileiras que sabiam de cor as letras da artista e franceses admirando sua entrega energética -diferente de sua prosódia relaxada e narrativa no álbum "Brutas Amam, Choram e Sentem Raiva", um respiro numa cena fissurada por rimas aceleradas ou liricamente pasteurizadas.
As rappers são protagonistas atualmente não somente na França, mas também nos Estados Unidos -dois mercados líderes do hip hop global. Nomes como Ice Spice, Megan Thee Stallion e Sexyyred têm liderado as paradas internacionais nos últimos anos. "Estamos numa crescente no Brasil, mas acho também que o público precisa valorizar artistas bons além dos nomes que são hypados", diz a artista.
Ao fim do show em Paris, ela ainda encontrou tempo para uma breve sessão de fotos com a bandeira do Brasil enrolada ao corpo. "Vejo que, por aqui, homens também curtem shows de rappers mulheres, mas no Brasil ainda temos uma dificuldade grande de cativar esse público", afirma. "Nossa chegada no rap também é uma forma de mudar, no sentido de mostrar que estamos aqui e merecemos ser respeitadas."
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