Astrud Gilberto, uma das vozes da bossa nova mais conhecidas internacionalmente, morreu aos 83 anos. A informação foi compartilhada pelo perfil de sua neta, Sofia Gilberto, de sete anos, nas redes sociais.
"Venho trazer a triste notícia que minha avó virou estrela hoje. E está ao lado do meu avô João Gilberto", diz o texto publicado no perfil.
Astrud Gilberto ficou conhecida mundialmente por ter cantado "The Girl from Ipanema", a versão em inglês do clássico "Garota de Ipanema". Por esse registro, se tornou a primeira brasileira e a primeira mulher a ganhar o Grammy de música do ano, nos Estados Unidos, ao lado do saxofonista Stan Getz, em 1965.
Naquele ano, o álbum "Getz/Gilberto", parceria do músico americano com João Gilberto e vocais de Astrud Gilberto, ganhou o prêmio de disco do ano. A cantora ainda foi indicada na categoria de artista revelação - a mesma de Anitta este ano -, em que foi derrotada pelos Beatles, e em melhor performance vocal feminina, esta vencida por Barbra Streisand.
Nascida em Salvador, em 29 de março de 1940, Astrud Evangelina Weinert se mudou ainda para o Rio de Janeiro e foi casada com João Gilberto entre 1959 e 1964. Além de pegar o sobrenome do pai da bossa nova, ela começou a cantar em 1960, quando já estava com ele.
Astrud estava presente e cantou com João Gilberto no show "A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor", na antiga Faculdade de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960. A apresentação, organizada por Ronaldo Bôscoli e que teve de Johnny Alf a Elza Soares, foi segundo Ruy Castro - autor do livro "Chega de Saudade" e colunista da Folha - o último espetáculo amador da bossa nova.
Assim como Tom Jobim, Astrud é uma das artistas presentes em "Getz/Gilberto", álbum que marcou a aproximação da bossa nova com o jazz e também a entrada do gênero brasileiro no mercado americano.
Além de "The Girl from Ipanema", ela deu voz a "Quiet Night of Quiet Stars", versão em inglês para "Corcovado", no disco clássico. A cantora tinha 23 anos quando fez as gravações, muito conhecidas mundialmente até hoje.
Astrud conheceu João Gilberto através da cantora Nara Leão, de quem era amiga. Eles moraram em Ipanema e em Nova York, e tiveram um filho juntos, João Marcelo Gilberto, de 63 anos, que é pai de Sofia. Depois da separação, ela continuou morando nos Estados Unidos.
A baiana, que é filha de mãe brasileira com pai alemão, ficou conhecida ao longo da carreira principalmente pelas gravações de bossa nova em inglês. Seu álbum mais conhecido é "The Astrud Gilberto Album", de 1965, que tem Tom Jobim no violão e João Donato no piano.
DISCOS
Astrud lançou diversos álbuns na década de 1960, incluindo "The Shadow of Your Smile", de 1965, "Beach Samba" e "Look to the Rainbow" de 1966, e "A Certain Smile, A Certain Sadness", de 1967. Neste último, contou com a parceria do pernambucano Walter Wanderley, outro que fez fama nos Estados Unidos, tocando órgão, e fez sucesso com "Summer Samba (So Nice)", versão de "Samba de Verão", de Marcos Valle.
Em 1972, gravou músicas de Luiz Gonzaga ("Baião") e Jorge Ben Jor ("Take it Easy my Brother Charlies") no álbum "Now". Em 1977, no disco "That Girl From Ipanema", dividiu os microfones com o trompetista Chet Baker na faixa "Far Away".
Além das interpretações de bossa nova com letra em inglês, Astrud costumava incluir gravações em português em seus discos. "Água de Beber", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e "Berimbau", de Vinicius e Baden Powell, são algumas das músicas que ela popularizou na língua de seu país de origem.
Em 1996, Astrud gravou "Desafinado", de Tom Jobim e Newton Mendonça, com o cantor George Michael para a coletânea beneficente "Red Hot + Rio". Na faixa, tanto ela quanto o britânico cantam em português.
Nas décadas seguintes, sua produção diminuiu, mas ela continuou ativa até 2002, quando lançou o álbum "Jungle", coproduzido pelo guitarrista americano Mark Lamber. Astrud passou as últimas décadas da vida na Filadélfia, se dedicando às artes plásticas.
Em sua trajetória, Astrud popularizou ao redor do mundo o estilo de canto da bossa nova, suave e cochichado. Por suas interpretações sutis e elegantes, e pela presença no mercado americano, se tornou uma das artistas brasileiras mais conhecidas no planeta.
Ela já foi citada como influência por diversos nomes da música contemporânea, entre eles a cantora colombiana radicada nos Estados Unidos Kali Uchis, e Billie Eilish. A estrela do pop americano, aliás, já disse que "Garota de Ipanema" na voz de Astrud foi uma das inspirações para a música "Billie Bossa Nova", que ela lançou em 2021.
CANTORA NÃO RECEBEU CRÉDITOS NO DISCO ORIGINAL
A voz de Astrud Gilberto, a intérprete da versão em inglês de "Garota de Ipanema", foi o que permitiu que o mundo conhecesse a bossa nova. Mas, no início, ela sequer recebeu os créditos no disco original - e ganhou apenas US$ 120, o mínimo determinado pelo sindicato americano dos músicos, pela gravação.
A música em inglês foi lançada pela primeira vez no álbum Getz/Gilberto (1964), parceria de João Gilberto (então marido de Astrud) com o saxofonista americano Stan Getz. Segundo o biógrafo Ruy Castro, João Gilberto faturou US$ 23 mil com o álbum, enquanto Stan Getz embolsou quase um milhão de dólares.
"The Girl From Ipanema" era o grande hit do disco -tanto que, depois, a gravadora lançou um single com a música sem os vocais masculinos.
Segundo o jornal The Independent, Stan Getz se esforçou para que Astrud não recebesse os créditos pela música. O biógrafo Gene Lees afirma que, assim que ficou evidente que "The Girl From Ipanema" seria um sucesso, Getz ligou para o produtor Creed Taylor: "Creed achou que Stan estava ligando para garantir que Astrud recebesse parte dos royalties. Pelo contrário: ele queria que ela não recebesse nada".
Stan Getz também dizia que foi ele quem convenceu Astrud a cantar: "Ela era só uma dona de casa na época, e eu a coloquei no disco porque queria que alguém cantasse uma versão em inglês de 'Garota de Ipanema' -e João não conseguia. 'Ipanema' foi um sucesso e ela deu sorte", disse o saxofonista em entrevista à revista inglesa Jazz Professional em 1964.
Astrud Gilberto discordava. "É engraçado que, depois do meu sucesso, surgiram histórias de como Stan Getz e Creed Taylor 'me descobriram', quando na verdade nada está mais longe da verdade. Eu acho que isso os fez pareceram importantes, como se eles tivessem tido a 'sabedoria' de reconhecer potencial no meu canto. Acho que eu deveria me sentir lisonjeada pela importância que eles dão a isso, mas não consigo evitar me irritar que eles tenham apelado para mentiras", disse em 1982, de acordo com seu site.
Mesmo sem sua parcela de reconhecimento pelo sucesso da música, a brasileira ficou famosa - mas como sex symbol. Marcelo, filho de Astrud e João Gilberto, a acompanhou numa turnê em Nova York e relembra a fama da mãe em entrevista ao The Independent:
"Eu estava no que provavelmente era a primeira coletiva de imprensa dela nos Estados Unidos, em Nova York. Era uma atmosfera muito Mad Men, basicamente uma sala cheia de homens. Eu era jovem na época, e uma hora a chamei de 'mãe'. Eu me lembro claramente dos murmúrios pela sala. Eu havia destruído a ilusão: o sex symbol era mãe. Eu sabia que tinha aberto a cortina, e me senti horrível. A partir daí, passei a chamá-la de 'Astrud'."
Em 2002, Astrud anunciou que se afastaria da vida pública. Desde então, morou nos Estados Unidos com os filhos - segundo o The Independent, ela insistia que não sentia falta do medo de se apresentar em público, e nem da forma como era tratada pela indústria.