O ator Marco Pigossi, 32, deu um longo depoimento à revista Piauí sobre sua jornada de aceitação, o medo que sentia de descobrirem sua orientação sexual quando era galã de novelas na TV Globo e o afastamento do pai. A declaração ocorreu cerca de 40 dias depois dele assumir publicamente o namoro com o cineasta italiano Marco Calvani.
"Eu não tinha referência alguma no meu convívio e, quando assistia à televisão, nada servia como alento. Nas novelas ou nos programas de humor, quase sempre os gays eram retratados de forma caricata, pejorativa. Então, me sentindo solitário e sem amparo, me restava torcer para que fosse apenas uma fase", disse o ator.
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O ator afirmou que encontrou alento no teatro, que era uma vocação e, ao mesmo tempo, uma fuga porque podia ser qualquer pessoa no mundo nas peças, livros e palcos. "Eu podia ser qualquer coisa, inclusive o que de fato sou."
Pigossi lembrou que seu primeiro personagem de destaque que interpretou em uma novela foi Cássio, que era um gay afeminado, na novela Caras & Bocas (2009), de Walcyr Carrasco. Ele falava um bordão "fiquei rosa chiclete" como sinônimo de "estou passado", que caiu no gosto do público.
"Aos 20 anos, eu estava realizando o grande sonho de trabalhar como ator na maior indústria de entretenimento do país, mas vivia um drama pessoal: sentia calafrio só de pensar que o público poderia desconfiar que a sexualidade do personagem e do ator era a mesma. Essa possibilidade me aterrorizava."
O ator conta que, quando era abordado por fãs repetindo o bordão "rosa chiclete", estendia a mão com firmeza e fazia uma voz forte para afastar suspeitas sobre a sua sexualidade. Nesta época, o medo que tinha que descobrissem sua orientação sexual o levou à terapia durante a gravação da novela. "Era como se estivesse usando uma máscara de heterossexual. A alegria de fazer um personagem que caiu no gosto do público me trouxe aflição."
Após a novela, o ator diz que fez vários papéis de galãs porque se encaixava em um "padrão de heterossexualidade", que não denunciava a sua orientação sexual, mas era infeliz por dentro. Ele diz que se assumir publicamente protegia a carreira e ele mesmo da hostilidade e da violência comuns no trato com as populações LGBTQIAP+ no Brasil.
"Na verdade, eu me fazia passar por um heterossexual por pura e simples manifestação de medo. Medo da minha família, medo dos meus amigos, medo da minha carreira. Até então, eu nunca tinha visto um galã de novelas falar abertamente sobre sua orientação sexual. E meu medo não era em vão."
O ator falou ainda que à medida que subia os degraus na profissão o medo aumentava e a possibilidade que alguém soubesse da sua vida sexual o paralisava. Ele acreditava que as portas se fechariam e sua carreira seria destruída se as pessoas descobrissem sua orientação sexual.
Pigossi revelou que em seus doze anos de vida pública escondeu de todos o relacionamento de oito anos que manteve com homem, morando na mesma casa. O ator disse que pedia para amigos irem com ele e o companheiro ao cinema para não ser visto sozinho na companhia de outro homem. "Eu não podia deixar o medo me vencer, eu tinha que ir ao cinema, mas, ao mesmo tempo, sentia um pânico de ser descoberto gay."
O artista conta que chegou a viver uma crise de pânico devido a uma fake news quando estava no ar com a novela "Fina Estampa", entre 2011 e 2012. Quando desembarcou em um aeroporto no Rio leu a falsa notícia de que tinha um relacionamento com o ator Rodrigo Simas, que atuava na mesma novela. " A matéria não dava os nossos nomes, mas deixava claro de quem se tratava."
A notícia se espalhou e, ainda no aeroporto, o ator começou a receber mensagens no Whatsapp. Ele teve uma crise de pânico, começou a tremer, suar e foi para o banheiro, onde se trancou em uma cabine e começou a vomitar.
"Liguei para meu parceiro, chorando. Eu dizia para mim mesmo que minha carreira tinha acabado. Não conseguia sair dali. Meu companheiro teve que pegar um voo de São Paulo ao Rio para me buscar", disse o ator, que passou a tomar remédios controlados para lidar com o pânico.
Pigossi falou ainda do distanciamento do pai, que jamais perguntou sobre a sua vida amorosa, mesmo sabendo do seu relacionamento de oito anos com outro homem. Segundo ele, o que mais doeu foi saber que o pai votou em Jair Bolsonaro nas últimas eleições para presidente, um político que dizia preferir um filho morto a um filho gay.
"Sempre tive dificuldade de entender como um pai escolhe votar num político que insulta seu próprio filho de modo tão visceral. Meu pai e eu ficamos sem nos falar durante o ano da eleição e até hoje temos contatos apenas esporádicos. O abismo, que já era grande, tornou-se ainda maior. Meu pai é um cara afetivo, sensível. Sou o primeiro gay com quem ele lida. Pouco a pouco, espero que ele aprenda a lidar com naturalidade."