Os gliptodontes, parentes extintos dos tatus que tinham tamanho e formato muito parecidos com os de um Fusca, surgiram graças a uma explosão evolutiva bastante rara entre os mamíferos, afirma um novo estudo assinado por um trio de pesquisadores brasileiros.
A evolução acelerada dos bichos, que podem ter alcançado cerca de uma tonelada de peso e desapareceram por volta de 10 mil anos atrás, parece ter sido um fenômeno relativamente tão rápido quanto o surgimento da linhagem dos seres humanos a partir de seus ancestrais primatas. A hipótese mais provável é que os gliptodontes deram esse salto ao se adaptar a um novo tipo de modo de vida, o de pastador –tornaram-se, para todos os efeitos, imensos cortadores de grama.
Tais conclusões estão em artigo recente na revista científica britânica Proceedings B. Assinam o estudo Alex Hubbe, da Universidade Federal da Bahia, Gabriel Marroig, da USP, e Fabio Machado, da Universidade Estadual Politécnica da Virgínia (EUA). Os pesquisadores compararam a estrutura do crânio dos "supertatus" da Era do Gelo (membros do gênero Glyptodon) com a de 14 espécies de seus primos bem mais modestos de hoje.
Um dos objetivos da equipe era examinar uma ideia relativamente bem estabelecida para quem estuda evolução. Acontece que, na maior parte dos milhões de anos ao longo das quais espécies evoluem, o que parece prevalecer é a chamada seleção estabilizadora, que evita que as características dos seres vivos se transformem de modo excessivo.
Isso provavelmente se deve ao fato de que, depois que o organismo se adapta de forma razoavelmente precisa a determinado modo de vida, as chances de que uma mudança muito grande mais atrapalhe que ajude na hora de ele sobreviver e se reproduzir são altas. É como se a evolução seguisse a máxima "Em time que está ganhando não se mexe".
No entanto, os fósseis mostram claramente que, às vezes, mudanças mais radicais funcionam. Foi assim que mamíferos terrestres se transformaram em baleias ou morcegos, por exemplo. "O problema é que, nesses exemplos, a escala de tempo em que isso aconteceu é bastante grande, e a gente não tem análogos muito bons dos ancestrais desses animais vivendo ainda hoje", explica Machado. "Os gliptodontes contornam isso porque os dados de DNA mostram que eles estão ali no meio do grupo dos tatus, por assim dizer. Fica bem mais fácil fazer esse tipo de análise."
Outro fator é que o crânio dos bichos, se comparado ao dos tatus que conhecemos, é peculiaríssimo. É como se a parte central do crânio tivesse virado massa de modelar e sido puxada para baixo. Além disso, a posição dos dentes na parte de trás da boca também parece ser completamente maluca.
"A nossa fileira de dentes de baixo termina um pouco antes da orelha. No caso deles, é como se a mandíbula começasse na altura do pomo-de-adão e terminasse atrás da orelha", compara o pesquisador brasileiro. "Eles violam todas as regras supostamente gerais da biomecânica dos crânios de mamíferos."
Tudo isso era indício de um processo evolutivo um tanto diferentão, mas os pesquisadores conseguiram quantificar e comparar essa esquisitice com o que aconteceu ao longo da evolução dos tatus "clássicos". O processo envolve analisar matematicamente como foram mudando as distâncias entre diferentes pontos do crânio de todas essas espécies. Isso ajuda a computar a evolução conjunta dos ossos cranianos, os quais, afinal, precisam se transformar em relativa harmonia conforme as características de uma linhagem de animais vai mudando ao longo do tempo.
Com isso, é possível estimar a taxa de transformações evolutivas durante milhões de anos, ou seja, ter uma ideia de quais bichos sofreram mudanças mais intensas no mesmo intervalo de tempo. Resultado: os gliptodontes são, disparado, os campeões da chamada seleção direcional. Ou seja, um processo evolutivo que os empurrava claramente para determinado lado, no lugar da seleção estabilizadora, relativamente avessa a mudanças.
A especialização para devorar grama indicada pelo crânio não foi a única esquisitice evolutiva do grupo. O tamanho descomunal, o casco inteiriço e a cauda que mais parecia uma maça de cavaleiro medieval indicam que os animais se tornaram ocupantes de um nicho ecológico muito especializado. E isso nem sempre é uma boa ideia, a julgar pela extinção do grupo.
"Os fatores que levaram ao desaparecimento deles muito provavelmente foram vários, mas a
especialização alimentar extrema pode ter sido um deles porque no fim da Era do Gelo a América do Sul passou por uma perda grande de áreas de vegetação rasteira e ganhou muitas florestas", o que não seria nada bom para os gliptodontes, diz Machado.