Mais de dez estados brasileiros já retomaram as aulas presenciais em 2021. Mais do que voltar para a escola, em muitos casos, os estudantes recomeçam os estudos presenciais após um período de intensos desafios pessoais, que, em muitos casos, os afastaram da rota de aprendizagem em que estavam inseridos.
Para Livia Ciacci, neurocientista do Supera – Ginástica para o cérebro, os obstáculos para o processo de aprendizagem durante as aulas remotas na pandemia estão diretamente ligados à emoção dos estudantes. Uma emoção é um conjunto de respostas químicas e neurais que surgem quando o cérebro recebe um estímulo externo. No contexto da pandemia da Covid-19, houve um predomínio de emoções negativas e um estado de alerta constante, com risco à sobrevivência.
“Toda vez que o cérebro julga o ambiente como ‘ameaçador’, uma área cerebral chamada amígdala vai estimular outras regiões produzindo respostas de luta ou fuga. Quando está neste momento, o cérebro foca apenas na reação, não se motiva a aprender e tem dificuldade para socializar”, explicou a neurocientista.
Por outro lado, quando alguém julga o ambiente como “seguro”, os mecanismos inibitórios que controlam as respostas de luta-fuga se mantém ativos. “Nessa situação, as vias neurais ativadas preparam o corpo para o contato social deixando os processos mentais como atenção, raciocínio e concentração livres para funcionar. O desafio dos educadores nesta retomada está em principalmente tornar o ambiente seguro para todos os envolvidos, alunos e professores, o que vai impactar diretamente na capacidade de assimilar novas informações”, detalhou a especialista.
Aluno validado e aprendendo mais - Estudos recentes mostraram que os processos cognitivos e emocionais estão profundamente ligados. A emoção é parte integrante do processo de raciocínio e o auxilia em vez de atrapalhá-lo, como se costumava pensar antes.
“A emoção afeta o processo de retenção das informações e a memória e é altamente dependente do significado que atribuímos às coisas e acontecimentos. Comprovamos isso quando executamos exercícios mentais (ábaco, jogos, enigmas etc.) para a atenção, raciocínio lógico e memória - onde a prática leva ao prazer de melhorar as funções, e o prazer motiva a tentar um desafio mais difícil, ou seja: tudo está ligado e por isso é tão importante neste processo de retomada validar os sentimentos de crianças e adolescentes”, lembrou a especialista.
“A motivação atua no sistema de recompensa do cérebro. Quando um aluno é afetado positivamente por algo, ele se interessa, e então ele entende e consegue resolver um desafio novo. Ao conseguir superar o desafio o cérebro ativo os centros de recompensa e gera a sensação de bem-estar que mobiliza a atenção da pessoa e reforça o comportamento dela em relação ao assunto que a afetou”, explica Ciacci.
Como ajudar as crianças a retomar o interesse pela escola? - Ao longo da pandemia, inúmeros levantamentos comprovaram os impactos psíquicos decorrentes do isolamento social em diferentes faixas etárias. Em especial aos jovens a pandemia levou ao uso excessivo de redes sociais e aumento dos sintomas de ansiedade, estresse e tristeza.
“Quando pensamos que os jovens são um público que interage muito nas redes sociais, há uma tendência de eles voltarem à convivência presencial ainda 'viciados' nas checagens constantes e dificuldade de concentração. Os estudantes ainda podem voltar trazendo emoções acumuladas nas tensões familiares e das experiências vividas no ensino remoto. Não há uma receita para o acolhimento perfeito, mas a maior preocupação daqui em diante deve ser a de criar um clima de segurança afetiva, só assim as emoções vão abrir caminho para o aspecto intelectual", afirma a especialista.
Validando sentimentos - Sabendo que os sentimentos positivos ou negativos interferem nos processos mentais mais complexos, como a tomada de decisão e o controle dos comportamentos, o foco da escola, segundo a especialista, deve ser na aceitação das diferenças e limitações de cada um, sem ignorar os impactos da pandemia em diferentes realidades sociais.
“Estratégias personalizadas para que os alunos se autoavaliem e participem ativamente das metas que eles buscarão atingir podem ajudar na motivação. É hora de plantar a esperança, cada aluno deve sentir que ali é um lugar onde ele pode sentir o prazer de conseguir - seja qual for o seu interesse”, concluiu Livia Ciacci.
Confira algumas dicas que podem ajudar neste processo:
· Melhore as conexões emocionais com as matérias a serem aprendidas, levando em conta as referências que fazem sentido para a geração;
· Crie avaliações colaborativas, favorecendo mais a discussão e construção de conceitos do que as respostas certas;
· Inclua a possibilidade de cometer erros e aprender com eles, usando estratégias que valorizem o erro;
· Não é hora de “marcar provas” coletivas ou de comparar desempenhos. Aliás, qualquer rotina escolar que dê margem para o clima de ameaça, opressão, vexame ou de desvalorização do esforço pessoal, vai fazer com que o sistema límbico, situado no meio do cérebro, bloqueie o funcionamento das funções cognitivas de integração que permitem a resolução de problemas;
· O estudante, com seu repertório pessoal de vivências, deve avaliar o ambiente escolar e dar o colorido afetivo instantâneo, esse julgamento vai orientá-lo subjetivamente para tomar decisões. Se o objetivo é ter crianças e adolescentes motivados, as equipes escolares precisam oferecer uma recepção que favoreça os sentimentos positivos;
· Tarefas muito difíceis ou muito fáceis não ativam o sistema de recompensa. Como resultado, desmotivam e deixam o cérebro frustrado. Por isso são abandonadas ou evitadas. Qualquer receita para uma capacidade de aprender deve incluir: Um ambiente seguro para tentar e errar a vontade, pessoas dispostas a tornar os temas interessantes, níveis de dificuldade que propiciem o prazer de conseguir.