A histórica desigualdade racial na educação e no mercado de trabalho ainda é uma realidade no Brasil. Dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que na faixa etária entre 18 e 24 anos, pessoas brancas têm duas vezes mais chances de estarem na universidade ou de já terem concluído o ensino superior, do que pretos e pardos. Além disso, a diferença salarial entre brancos e negros é de 45%, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019.
“As desigualdades já começam na questão das oportunidades. Muitos jovens ingressam no mercado de trabalho com uma defasagem na aprendizagem vinda de um ensino precarizado”, conta Ednalva Moura, diretora de Diversidade do Instituto Ser +, que oferece capacitação profissional para jovens em situação de vulnerabilidade em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
Além do ensino de capacitação para o mercado de trabalho, que envolve disciplinas como finanças, inglês e mercado financeiro, a organização, que já atendeu mais de 4.500 jovens, tem como objetivo o desenvolvimento pessoal e social dos alunos, estimulando que eles possam ser os protagonistas de suas trajetórias.
“Trabalhamos o autoconhecimento do jovem, além das questões teóricas. Nossos materiais focam na descoberta de talentos para que o indivíduo consiga descobrir suas próprias habilidades, se apropriar de sua própria história e elevar a autoestima”, explica a especialista, que reforça que sem esses pilares é difícil alcançar o desenvolvimento efetivo da juventude, por mais cursos que promovam o conhecimento e o aperfeiçoamento das habilidades exigidas pelo mercado de trabalho.
Douglas Augusto, de 20 anos, foi um dos jovens negros que aprendeu não somente o conteúdo, mas o quanto ele era capaz. “Antes da capacitação eu era uma pessoa que não tinha planos para o futuro, não sabia qual caminho seguir. Aprendi muita coisa que uso no meu trabalho e para o profissional que quero ser. Meu maior sonho é me tornar diretor executivo e quando eu penso no futuro, sei que posso conquistar esse cargo de liderança”, conta.
“Nós somos os mais prejudicados da sociedade por conta dos estereótipos que foram construídos, mas estamos mudando isso, e as empresas estão se adequando e buscando por pessoas negras e mulheres. Me sinto mais confiante. Por conta dos últimos acontecimentos e uma conscientização maior, as empresas estão olhando de uma forma diferente para os jovens negros da periferia”, conta Andressa Santos, de 19 anos, moradora da Zona Leste, que fez uma capacitação especial do Ser + voltada para tecnologia.
Educadores como exemplo - Apesar de não se restringir a adolescentes e jovens negros, acolhendo todos em situação de vulnerabilidade social, o Instituto Ser + tem um corpo de professores especialista em questões étnico-raciais.
Para o dia a dia, esses profissionais utilizam seus conhecimentos para mostrar aos jovens pretos e pardos que tudo é possível. Com esse intuito, desde 2020 o núcleo de diversidade da organização tem feito ações e eventos online sobre saúde mental, mercado financeiro e demais movimentos de diálogo e conscientização.
Unindo teoria com competências socioemocionais, educadores se inspiram em filosofias africanas de educação popular para empoderar. Uma delas é a Ubuntu - que significa “eu sou, porque nós somos” – e, por meio dela, os jovens aprendem essa dimensão de coletividade.
A outra, é a filosofia Sankofa, que significa "volte e pegue". O Sankofa incita um resgate à ancestralidade e um mergulho em sua própria história e raízes em busca de autoconhecimento e um fortalecimento pessoal.
Para a educadora Andreia Priscilla, o fato de a instituição ter um time de professores com representatividade negra, inspira os jovens. “Eles olham para nós e conseguem se espelhar. Tornamos um referencial”, conta. Andreia é moradora da Cidade Tiradentes (SP).
Mãe de três filhos, tem trajetória no Movimento Hip Hop, espaço onde aprendeu sobre questões raciais na prática e construiu sua identidade como uma mulher negra da periferia. Nas oficinas do RAP, conheceu a educação popular e escolheu ser educadora. Atua no Ser+ desde 2017 como freelancer e oficialmente como contratada desde 2019.
O Instituto também conta com um educador africano, natural de Moçambique, na Angola. Cornélio Raimundo vive no Brasil há quase 17 anos, época em que atuava como missionário religioso católico. Em suas missões, trabalhava como educador missionário e, assim, se encantou pela educação.
Apaixonado não só em ensinar, como aprender, é Mestre em Educação, formado em Geografia, História, Filosofia, Ciências Sociais e Teologia. Já foi voluntário na secretaria de Direitos Humanos, e com essa bagagem, atua dentro da perspectiva da educação como um direito. Está no Ser+ há 2 anos.
“Na África também vivi a desigualdade das oportunidades. Eu não estudei com negros, estudei com pessoas brancas. Durante meus cursos, meus colegas diziam que se eu voltasse para o meu país, poderia ser presidente porque em Moçambique, onde eu nasci, não tinha pessoas que estudavam. Estudar foi uma grande luta e hoje eu trabalho para que não seja tão difícil para esses jovens”, conta.