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Projeto oferece bolsa para mães cientistas não deixarem os estudos

Folhapress/Angela Boldrini
19 fev 2021 às 17:48

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- Reprodução/Pixabay
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A professora Laiza Janegitz passa os dias tentando girar todos os pratos: o trabalho em uma escola particular do interior de São Paulo, a maternidade solo do filho Francisco, 4, as aulas particulares para fechar as contas da casa onde mora com o pai, que perdeu sua fonte de renda durante a pandemia, e o doutorado em educação, que precisa concluir até o final de 2021.


"É muito cansativo, muito estressante. Você está sempre culpada. Se se dedica à pesquisa, fica culpada por causa do trabalho. Se trabalho muito, penso que não estou fazendo a pesquisa. E ainda me sinto culpada em relação ao meu filho, como se estivesse terceirizando minha maternidade", desabafa ela.

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Em busca de um respiro, Laiza é uma das 567 mães pesquisadoras que se inscreveram no programa Amanhã, desenvolvido pelo movimento Parent in Science. O projeto pretende dar uma bolsa mensal para incentivar pós-graduandas com filhos a não deixarem os estudos e as inscrições ficam abertas até o dia 19 de fevereiro (clique aqui para se inscrever).

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A ideia de criar um programa de bolsas veio após o resultado de uma pesquisa conduzida em maio de 2020 pelo movimento, que é um coletivo de mães e pais pesquisadores fundado em 2016 pela professora da UFRGS Fernanda Staniscuaski, mostrar que a produção científica de mulheres com filhos menores de 12 anos foi a mais afetada pela pandemia do coronavírus.

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"Nós fizemos a pesquisa com 10 mil alunos e ficou claro o quanto as mães estavam com dificuldade", afirma Fernanda.


De acordo com os dados, só 34% das mulheres pós-doutorandas com filhos conseguiram submeter artigos científicos como o planejado. Para as sem filhos esse percentual ficou em 49%, menor do que o número de pais que dizem ter conseguido manter a produtividade, 58% dos entrevistados. Já os homens sem filhos foram os menos impactados: 67% deles disseram ter mantido a entrega de artigos conforme o planejado.

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O estudo mostrou ainda que o grupo mais afetado são as mulheres negras com filhos pequenos.


Para ser elegível, a mãe precisa estar na fase final do curso, com previsão de término até o final de 2021. Também precisará comprovar necessidade financeira. O valor da bolsa ainda não está definido, diz Fernanda, porque dependerá do número de inscritas e da quantidade de dinheiro arrecadado pelo grupo.

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Até o momento, a vaquinha virtual e as doações feitas por Pix somam R$ 62 mil.


"Nós tentamos parcerias com marcas, com empresas, mas até agora não conseguimos", diz a pesquisadora. "A ideia era dar uma bolsa de cerca de R$ 800 entre três e nove meses, que é o tempo máximo para a conclusão que estabelecemos, mas talvez a gente tenha que diminuir esse valor para dar conta de toda a demanda."

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Além do critério de renda (entre as inscritas, 55% afirmam ter renda familiar de até dois salários mínimos), também serão feitos outros recortes. "Vamos dar prioridade para mães negras e indígenas, mães solo e mães de crianças com deficiência", afirma Fernanda.


Para Laiza, a bolsa significaria diminuir as aulas particulares de matemática que dá para vestibulandos. "Para conseguir focar mais na pesquisa", diz.

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O relato é semelhante ao de Angela Teixeira, mestranda em educação na UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri) e moradora de uma comunidade rural em Minas Gerais. Mãe de quatro meninas e professora, ela espera conseguir diminuir o número de aulas para terminar de escrever sua dissertação.


"Eu nunca tinha ouvido falar desse tipo de suporte, ser mãe na universidade é muito difícil", conta ela. A filha mais velha de Angela tem 15 anos, e a mais nova, 6.

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A pandemia trouxe desafios extras para as mães pesquisadoras, muitas das quais são também docentes, como a necessidade de aprender a ministrar aulas virtuais e ao mesmo tempo ajudar os próprios filhos com a escola online, perda de fontes de renda e de rede de apoio.


"Quando minha filha tinha nove meses, a gente conseguiu alguém para cuidar dela, eu deixava ela lá e buscava depois da aula, mas aí veio a pandemia", diz Geraldine Fadairo, mãe de Esmeralda, 2, e mestranda em antropologia do Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém (PA). "Além disso, tudo encareceu e não temos mais a fonte de renda que usávamos para pagar por esse cuidado."


Nascida no Benin, país do oeste da África, ela se mudou para o Brasil durante a graduação em administração. Acabou ficando e decidiu prestar o mestrado quando sua filha tinha apenas três meses.


A vida das mães estudantes já não era fácil antes da pandemia. Geraldine conta que chegou a levar a filha para a aula por não ter com quem deixá-la, mas não teve boas experiências com professores.


"Ser mãe não é valorizado, como se educar um filho não contasse para nada", diz Laiza. "Você vai prestar um concurso e acaba não atingindo a pontuação necessária porque não produziu durante a licença-maternidade. Isso conta negativamente na hora de conseguir bolsas também. Quem produz mais tem mais acesso, mais oportunidade."


Ela advoga a inserção da licença-maternidade no currículo Lattes, plataforma oficial do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), para mostrar que a "queda de produtividade" não é uma questão de descaso com a pesquisa. De acordo coma a pesquisa do movimento, apenas 32% das professoras universitárias com filhos menores de um ano conseguiram submeter artigos para publicação durante os primeiros meses da pandemia.


A própria criação do Parent In Science se deu a partir da experiência de Fernanda com a maternidade. A pesquisadora já tinha um pós-doutorado e mesmo assim pensou em desistir da área acadêmica. "As coisas começaram a degringolar em 2014, e achei que aquilo não era pra mim", diz. "Não via ninguém falando sobre isso."


Com um Lattes de fazer inveja, a pesquisadora gaúcha lista suas qualificações técnicas, como o conhecimento em biologia molecular e o pós-doutorado em biofísica e conclui o currículo assim: "Mãe de três filhos, esteve de licença-maternidade em 2013, 2015 e 2018".

Hoje, o núcleo duro do movimento é formado por 15 mães e um pai. Além deles, o grupo conta com 91 "embaixadores" em 53 universidades espalhadas pelo Brasil. A ideia é criar marcos que facilitem a permanência de pessoas com filhos nas carreiras de pesquisa. "Nós queremos ser um grupo propositivo, não apenas discutir mas também levar mudanças para essas universidades."


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