Cartas pessoais podem se transformar tanto em memória, quanto fonte histórica, ou mesmo uma obra literária. Este é um dos pensamentos que orientam o projeto de Pesquisa “Cartas como acervo literário”, coordenado pela professora Telma Maciel da Silva, do Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Nele, os participantes se debruçam sobre epístolas e outros documentos que constituem não apenas um arquivo, mas um acervo de um escritor ou outra personalidade.
Tudo começou quando a professora Telma entrou na graduação, em 2001, na Unesp/Assis (Universidade Estadual de São Paulo), e manifestou interesse na Iniciação Científica. Foi então apresentada ao acervo do jornalista e escritor paulista João Antônio (Ferreira Filho) (1927-1996). Conhecido por retratar os trabalhadores das periferias das grandes cidades, ele criou o conto-reportagem. Os documentos, pertencentes à família do escritor, foram cedidos à Unesp para estudos.
Mais tarde, Telma iniciou o Mestrado mas, no Exame de Qualificação, a Banca de Avaliação concluiu que a pesquisa havia se tornado uma tese de Doutorado, e foi nesta condição que ela defendeu seu estudo, em 2009. A professora conta que, ao analisar as cartas de João Antônio, percebeu muitos elementos literários. “Uma dicção literária”, define Telma. Ou seja, um jeito de dizer: uma linguagem de malandragem, por exemplo. Além disso, o escritor, não raro, colocava seus personagens para falar.
Leia mais:
UEPG abre inscrições para curso gratuito de Gerontologia em Apucarana
Resultado final do CNU será divulgado nesta quinta-feira
Concurso Unificado: sai nesta terça-feira resultado de revisão de notas de títulos
Vestibular da UEL termina com abstenção de 20,6% nesta segunda
No projeto, a pesquisadora extrapola as cartas e aborda outros documentos, especialmente aqueles que guardam uma relação com as obras ou as epístolas. Por exemplo, rascunhos, anotações de amigos interlocutores das cartas, e até convites de lançamento dos livros publicados.
Linhas teóricas - Para dar conta da pesquisa, o projeto recorre a mais de uma linha teórica. Uma delas é a Crítica Genética, que elabora uma crítica da obra não a partir do produto (o livro publicado), mas do processo de escrita, em que os cortes, correções, rascunhos, acréscimos, desenhos, tudo conta.
A Crítica Textual, que foca na composição do texto e nas condições de produção, é outra teoria utilizada. Dentro desta linha, Telma informa que está em desenvolvimento a publicação de uma edição anotada e explicada de obras de João Antônio, abordando por exemplo o contexto da época em que foram escritas.
São vários os documentos pesquisados pelos integrantes do projeto. A professora Claudia Camardella Rio Doce (Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas) estuda textos do ensaísta e crítico alemão Walter Benjamin (1892-1940). Estudantes de pós-graduação também participam. Um deles analisa escritos de George Orwell, autor de “1984” e “Revolução dos Bichos”. Outro, do poeta português Camilo Pessanha (1867-1926).
Disciplina - Além do projeto, Telma ministra no Programa de Pós-graduação em Letras da UEL a disciplina de “Correspondências do escritor”, e diz que já existem pesquisas sobre Monteiro Lobato e o poeta francês Charles Baudellaire (1821-1867), com outros enfoques.
A professora também orienta um trabalho de Mestrado sobre o escritor e psiquiatra português António Lobo Antunes (1942-), que publica há mais de 40 anos. Além disso, o projeto já apresentou estudos em eventos científicos. Assim, um projeto que começou com a análise de cartas como pistas para o trabalho de um escritor, extrapolou para todo um acervo documental e discute até as cartas como obras literárias, quando são publicadas.