Dos 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos de idade que deixaram de frequentar a escola sem ter completado a educação básica, 71,7% são pretos ou pardos. A maioria afirma ter parado de estudar porque precisava trabalhar.
Ainda que o país mantenha desde 2016 lenta tendência de crescimento na taxa de escolarização entre jovens, dados da Pnad Contínua da Educação 2019 mostram que o Brasil não avançou para diminuir a desigualdade educacional entre negros e brancos e homens e mulheres.
A pesquisa anual do IBGE feita em domicílios de todo o país, lançada nesta quarta (15), mostra que jovens negros passam, em média, quase dois anos a menos na escola (8,6 anos) do que brancos (10,4).
Leia mais:
Vacina brasileira para câncer de próstata é aprovada pela FDA para ensaios clínicos
Primeiro dia de provas do Enem é neste domingo (3); veja horários e o que levar
Lula alerta para horários do Enem e diz que 'não dá para brincar'
Rematrículas para o ano letivo de 2025 começam na segunda; matrículas dia 13
A taxa de analfabetismo também é quase três vezes maior entre negros. Quase 10 a cada 100 negros com mais de 15 anos não sabem ler nem escrever, enquanto entre brancos são 3,6% os analfabetos.
A proporção é a mesma na população com mais de 60 anos, o que mostra o pouco avanço na diminuição da desigualdade. Nessa faixa etária, 27,1% dos negros e 9,5% dos brancos são analfabetos.
"O Brasil conseguiu garantir acesso quase universal no ensino fundamental, mas o desafio é manter esse aluno na escola. O país avança lentamente no indicador de anos de escolaridade, mas, ao olhar para alguns grupos, quase não se vê mudança", diz Marina Águas, analista do IBGE.
A pesquisa mostra que a desigualdade de permanência na escola tem início ainda no ensino fundamental. Nos anos iniciais dessa etapa (do 1º ao 5º anos), mais de 95% das crianças de 6 a 10 anos estuda, taxa que se mantém independentemente do gênero ou da cor.
Na etapa seguinte, nos anos finais do fundamental (do 6º ao 9º), tem início a evasão escolar, que afeta de maneiras diferentes cada grupo. Enquanto, 89,3% das meninas de 11 a 14 anos estão matriculadas nessa etapa, 85,8% dos meninos continuam estudando nessa idade. Frequentam a escola 90,4% dos brancos e 85,8% dos pretos ou pardos.
"A escola herda da sociedade o racismo estrutural e aumenta essa desigualdade racial. Os indicadores gritam, escancaram o racismo, mas a escola vira as costas para esse debate. Enquanto não reconhecermos esse racismo educacional, não vamos melhorar os índices educacionais no Brasil", diz Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco.
Para ele, é preciso pensar em ações multissetoriais para combater a desigualdade racial na educação, tanto nas questões comportamentais como pedagógicas e estruturais. "Precisamos de políticas para enfrentar o bullying, a discriminação, mas também de ações pedagógicas mais assertivas que considerem o contexto desses alunos. E também de políticas de incentivo, como as ações afirmativas (cotas, por exemplo)".
A taxa de escolarização das pessoas entre 15 e 17 anos de idade chegou a 89,2% em 2019, ainda sem atingir a meta estabelecida pelo PNE (Plano Nacional de Educação) para universalização do atendimento educacional nessa faixa etária até 2016.
Os dados da taxa de frequência escolar líquida, ou seja, de jovens de 15 a 17 anos que estão no ensino médio (etapa adequada para a idade) continua avançando, mas ainda está em 71,4%. Há desigualdades entre os grupos da população. Enquanto a taxa chega a 76,4% entre as mulheres, está em 66,7% entre os homens. Para os brancos está em 79,6% e 66,7%, para negros.
A pesquisa mostra que o principal motivo apontado para o abandono escolar é a necessidade de trabalhar (39,1% dos jovens entre 14 e 29 anos), seguido pela falta de interesse em estudar (29,2%).
A necessidade de trabalhar é maior entre os homens, 50% deles respondeu que esse era o motivo para ter saído da escola sem completar o ensino básico. Esse motivo é apontado por 23,8% das mulheres. Para 23,8% delas, a gestação foi o que as levou a deixar os estudos.
José Albino de Sousa Júnior, 35 anos, parou de estudar aos 18 anos, quando fazia o ensino fundamental. À época, ele precisou começar a trabalhar para ajudar em casa. "Tentei estudar à noite, mas não deu pra fazer os dois. Ficava muito cansado e não aprendia nada."
No início do ano, ele decidiu que voltaria a estudar para completar o ensino médio. Ele está cursando a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e continua acompanhando as aulas de forma remota durante a pandemia de Covid-19.
"Quero dar o exemplo para os meus filhos, mostrar pra eles como é importante estudar", diz Sousa Júnior, que atualmente trabalha como carregador de caminhões no Ceagesp e tem dois filhos, de 11 e 6 anos de idade.
"Sinto falta de saber escrever e ler direito. Voltei pra escola porque um dia quero escrever um livro. Insisto para que os meus filhos estudem porque emprego vai e vem, mas educação e conhecimento ninguém tira da gente", diz.
Para especialistas, os lentos avanços educacionais registrados pela Pnad nos últimos anos correm risco de serem perdidos com a pandemia, caso não haja uma resposta efetiva e rápida dos governos para evitar alta no abandono escolar e descontinuidade dos estudos.
"Há um risco muito grande de regredirmos em áreas que ainda não havíamos avançado significativamente, como a garantia de frequência em tempo adequado e conclusão da educação básica. A pandemia pode acelerar esse gargalo", diz Caio Sato, coordenador do Todos pela Educação.
Para eles, a suspensão das aulas presenciais nas escolas de todo o país e as dificuldades de ensino que ficaram escancaradas com a pandemia podem ter exposto a necessidade de priorizar os investimentos em educação.
"Há anos o Brasil convive com situações extremamente desiguais na educação, mas essa desigualdade já não chocava. A pandemia jogou luz à essa situação. Devemos aproveitar essa janela de oportunidade para agir rapidamente, com ações efetivas; Não só para evitar perdas, mas para avançar onde estamos estagnados há muito tempo", afirma Henriques.