A maternidade ainda é o principal motivo para o afastamento das mulheres do mercado de trabalho. A afirmação é da economista e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) Cecilia Machado, em conversa com o professor da New York University Shanghai e Rodrigo Zeidan.
A entrevista integra a série Papel do Estado, do Um Brasil, iniciativa da FecomercioSP com a Columbia Global Centers e o Center on Global Economic Governance. Machado e Zeidan também são colunistas da Folha de S.Paulo.
A pesquisadora estudou os efeitos de políticas públicas como a licença-maternidade e a licença parental, na qual o período pode ser dividido com o pai, em diversos países.
Estudo da FGV aponta que 40% das mulheres estão fora do mercado formal um ano após a licença -e Machado afirma que esse efeito se mantém mesmo cinco anos após o nascimento da criança.
A discriminação por gênero é uma norma cultural que reforça um estereótipo no mercado do trabalho, é muito difícil quebrar esse ciclo", afirmou.
Segundo a economista, a política pública pode induzir mudanças de comportamento para quebrar esse ciclo, e uma maneira de fazer isso é dar incentivos para que os homens também saiam de licença por períodos mais longos -atualmente, a licença-paternidade brasileira é de cinco dias.
"A partir do momento em que as firmas perceberem que os homens vão tirar essa licença, elas não vão ver mais o homem como muito diferente da mulher", disse. O modelo é adotado em alguns países europeus.
Ela avalia que a licença-maternidade no Brasil ainda é vista como direito da mulher, e não da família -e por isso se discute aumentar o período legal, hoje de quatro meses, em que a mãe pode se ausentar do trabalho com a chegada do filho.
Essa licença estendida, para Machado, funciona como um tapa-buraco por um período. Mas, uma vez que as mulheres continuam como principais cuidadoras, é difícil para elas voltarem ao mercado. Ao mesmo tempo, avalia, uma licença longa só para elas pode aumentar a resistência dos empregadores em contratá-las e promovê-las, piorando a desigualdade entre os gêneros.
"O que encontramos no Brasil é que a extensão da licença não aumenta a chance da mulher permanecer no mercado de trabalho", afirma.
Mas apenas transformar a licença-maternidade em uma parental (em que o período pode ser dividido com o pai) não é o suficiente, porque os homens podem não aderir à nova política. Segundo ela, é o que acontece nos Estados Unidos, por exemplo.
Outro ponto levantado pela economista é que, por ter as regras do mercado de trabalho muito rígidas, a licença-maternidade é uma dor de cabeça maior para as empresas brasileiras.
"Nos Estados Unidos, a licença-maternidade se aplica a empresas relativamente grandes, com mais de 50 trabalhadores, porque é preciso entender a perspectiva da firma", diz.
Segundo Machado, a facilidade que a empresa tem para contratar um funcionário substituto e poder dispensá-lo depois é o que faz com que a licença pese ou não nos custos do negócio.
A discussão sobre licença-maternidade, porém, não pode ser a única no país, se o objetivo for criar políticas públicas para ajudar as mulheres a se manterem no mercado de trabalho depois de terem filhos.
"Pela informalidade ser maior entre as mulheres, outras soluções para a questão da maternidade precisam ser pensadas no Brasil", afirma Machado, citando como exemplo creches públicas onde mães podem deixar as crianças durante o dia.
Qualidade do ensino superior e dificuldade de acesso atrapalham país Zeidan e Machado também conversaram sobre o acesso ao ensino superior no Brasil, os incentivos necessários para melhorar a educação no país e o sistema de cotas.
A economista aponta que, mesmo com programas que facilitam o acesso ao ensino superior, como o Sisu e as políticas de cotas -que na sua opinião têm sido bem-sucedidas-, só uma parcela pequena dos jovens conseguem acessar as universidades públicas.
"O problema-chave que temos que pensar é a evasão escolar que acontece nessa idade crucial em que os alunos estão fazendo a transição do ensino médio para o superior", diz.
Quem chega ao ensino superior também encontra um sistema educacional que Machado qualifica como "muito teórico, especializado e acadêmico". "O custo para se formar na universidade é alto, ela exige coisas que não são demandadas no mercado de trabalho", afirma.
A economista diz que é preciso uma discussão sobre o ensino oferecido, que deve ser mais dinâmico para corresponder às mudanças rápidas do mercado de trabalho, e também sobre a divisão entre sistemas públicos e privados de educação.
Para aumentar a oferta de ensino superior, Machado avalia que limitar o ensino público apenas para quem não tem condições de pagar por uma faculdade privada não é uma boa saída, já que esses estudantes perderiam o contato com pessoas de contextos socioeconômicos diferentes.
"O emprego que você arruma depois da faculdade depende da sua rede de contatos. Estar exposto a essa diversidade é muito importante", diz.