O governo Jair Bolsonaro distribuiu dinheiro do Fundeb (fundo da educação básica) com base em erro em 1,6 milhão de matrículas. Até agora não se sabe o número de municípios afetados pelos equívocos revelados pela Folha de S.Paulo.
O cálculo foi refeito pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), responsável pela gestão do Fundeb. O órgão é controlado por indicados pelo centrão e ligado à pasta do ministro Milton Ribeiro (Educação).
O problema atingiu todo o país. Não há ainda previsão de regularização das transferências com o uso dos dados corretos. Houve municípios e estados que receberam menos verbas e outros, mais, o que exigirá devolução de recursos.
Leia mais:
Vestibular da UEL altera trânsito e transporte coletivo no domingo e na segunda em Londrina
Inep divulga gabarito oficial do Enem
Apucarana promove formatura de curso de formação em Libras
Um em 3 professores de escolas públicas não tem formação adequada
Em abril, a Folha mostrou que o FNDE errou o cálculo de alunos em uma portaria interministerial, de março, que definiu a divisão do dinheiro. Ao todo, são R$ 179 bilhões por ano na principal fonte de financiamento da educação.
O número de alunos e a modalidade de matrícula definem a partilha. A falha só foi identificada porque prefeituras perceberam matrículas ignoradas. Isso foi causado por falhas na filtragem de dados do Censo Escolar.
O ajuste feito pelo FNDE concluiu que 798.788 matrículas foram deixadas de fora nos repasses. O mesmo número de alunos foi superestimado em outras modalidades.
Questionado, o órgão não havia respondido até a publicação desta reportagem.
O recálculo só veio à tona após questionamentos dos deputados Idilvan Alencar (PDT-CE) e Tabata Amaral (PDT-SP), feitos após a publicação das reportagens.
Na resposta, obtida pela Folha, o FNDE afirmou que ainda não consegue informar a quantidade de municípios que receberam valores diferentes daqueles que lhes eram devidos.
"A verificação só será possível após a carga dos dados da nova filtragem no STL [Sistema de Transferências Legais] e a execução dos procedimentos sistêmicos pelo gestor do sistema", disse o órgão em resposta a Alencar.
O deputado, que já presidiu o FNDE, disse ser inadmissível a demora com que o órgão lida com a falha. Segundo ele, isso causa insegurança nos gestores sobre a capacidade de o governo resolver de fato o problema.
"Estranha a demora para termos uma resposta, até porque as transferências são processos cotidianos, feitas há décadas, mas essenciais para a educação estadual e municipal", disse Alencar.
"O MEC não ajudou em nada a educação neste momento de pandemia, mas com esses erros fica claro que, além disso, o governo tem é atrapalhado", afirmou o deputado.
Em abril, Ribeiro assumiu que houve o erro, mas até o momento não resolveu o impasse. Na noite de segunda-feira (24), o governo publicou nova portaria interministerial corrigindo imprecisões da norma anterior.
As regras do Fundeb preveem 17 ponderações de matrículas para a distribuição do Fundeb. Tempo integral e creche, por exemplo, recebem mais recursos.
Em somente duas das chamadas ponderações o cálculo do FNDE batia com o que foi apurado pelo Censo Escolar. O maior descompasso foi na contagem de alunos de ensino fundamental em tempo integral.
O número de matrículas desconsiderado nessa modalidade -de 732 mil, segundo o FNDE- é até maior do que o calculado pela CNM (Confederação Nacional de Municípios).
O órgão federal argumentou aos deputados que não havia levado em conta matrículas de tempo integral com oferta de atividades complementares. Porém, nas respostas aos congressistas, não explicou por que os desvios se estenderam por outras modalidades de matrículas.
Sem ter resolvido a falha, o FNDE transferiu no início de maio R$ 836 milhões do Fundeb com base em dados errados. A nova portaria impedirá, portanto, mais um repasse equivocado.
O texto alterou também o valor por aluno. Antes eram R$ 3.768,22. Agora houve uma pequena redução, para R$ 3.755,59.
Em março, a Folha já havia mostrado que o governo Jair Bolsonaro errara na transferência da primeira parcela da complementação da União do Fundeb, de janeiro.
Na ocasião, de R$ 1,18 bilhão previstos, R$ 766 milhões foram repassados equivocadamente. Três estados e respectivos municípios receberam dinheiro a mais, e seis, a menos.
Quando o erro foi identificado, o Banco do Brasil -responsável pelas operações financeiras- fez os estornos. No entanto, parte das prefeituras havia usado recursos recebidos de forma excedente.
Aos congressistas o FNDE afirmou que, até o fim de abril, R$ 197 mil ainda não haviam sido recuperados.
Em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro, outro erro, da ordem de R$ 1 bilhão, havia ocorrido com outras transferências constitucionais, relacionadas ao salário-educação. O caso também foi revelado pela Folha.
O problema foi abordado em apuração do TCU (Tribunal de Contas da União), concluída no fim de março. Porém, até agora o governo não conseguiu corrigi-lo -da mesma forma que ocorreu com o Fundeb, houve casos de municípios e estados que terão de devolver dinheiro, e outros, têm crédito.
Só depois da definição das matrículas elegíveis é que, segundo o FNDE, "será possível iniciar os procedimentos para o desenvolvimento de funcionalidade do sistema, que possibilite identificar as exatas diferenças entre os valores repassados, com base nos parâmetros utilizados à época, e aqueles que deveriam ser considerados, com base nos apontamentos feitos pelo TCU".