A maior exposição à poluição do ar na infância pode provocar uma menor mobilidade social na vida adulta, que é definida pela capacidade de ascensão social por meio de mudanças no questionário do censo -que mede, entre outras coisas, índice de desenvolvimento social.
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Em outras palavras, além dos danos agudos provocados pela respiração do ar poluído, uma baixa qualidade do ar também aumenta as desigualdades sociais e, consequentemente, o peso global da saúde pública.
Esses foram os principais achados de um estudo feito nos Estados Unidos com dados de concentração de poluentes atmosféricos e o censo sociodemográfico desde 1982 até 2015.
A pesquisa, liderada por Sophie-An Lee, da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade de Harvard, foi publicada na segunda-feira (9) na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).
Usando dados de satélite em todo o território americano, os cientistas calcularam a exposição ao material particulado de dimensão 2,5 (PM2,5) em 1982, um poluente atmosférico muito pequeno (dimensões máximas de 2,5 micrômetros) e que pode entrar facilmente nas vias respiratórias. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda um limite máximo de 5 µg/m3 (microgramas por metro cúbico) de PM2,5 por dia.
Depois, eles calcularam a taxa de mobilidade social absoluta (medida pela sigla AUM, em inglês) em 2014 e 2015, quando essas crianças tinham idade entre 31 e 37 anos. A AUM equivale à renda mensal média na vida adulta de crianças que nasceram em famílias que fazem parte do quartil de renda mais baixa da população.
Como resultado, a cada 1 µg/m3 a mais de exposição a poluentes atmosféricos na infância a taxa de AUM era 1.146% menor, na média. Essa associação, segundo os autores, corresponde a uma redução de 4.887% na possibilidade de mobilidade social.
Os dados também foram analisados a nível microrregional, a partir dos condados. A pesquisa encontrou um mapa de desigualdade nos Estados Unidos inversamente proporcional entre a maior exposição à poluição atmosférica e a renda média na vida adulta, com os condados de estados do Sul, Centro-Oeste e costa Pacífica com uma renda menor do que aqueles do Norte e da costa Leste (que possuem níveis de poluição menores).
O estudo, no entanto, não apresenta uma relação causal entre a maior exposição aos poluentes e menor renda média na vida adulta, mas eles sugerem algumas hipóteses. Em primeiro, existe uma associação semelhante quando a análise não considera só os poluentes, mas também o número de residentes negros nos condados e a mobilidade social, indicando que há fatores ligados ao menor acesso a serviços de saúde nestes locais.
Em segundo, eles também refletem que pode ocorrer uma associação inversa entre a maior poluição do ar e a menor mobilidade social em estados do cinturão central, Sul e Pacífico devido à posição geográfica desses condados (onde se concentram mais fábricas industriais).
Para testar isso, os pesquisadores compararam dois condados urbanos com indicadores idênticos de PM2,5 em 1982 e analisaram se a exposição na infância aos poluentes também prejudicou a mobilidade social na vida adulta. Novamente, para cada 1 µg/m3 de PM2,5, a mobilidade social diminuía em -1.097% a -1.502%.
Outros estudos já apontaram como a poluição do ar pode ser prejudicial à saúde, em especial ao aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares. Uma pesquisa com dados da Associação Cardiovascular Chinesa feita em 2023 na China viu um risco aumentado de arritmias cardíacas após a exposição à poluição atmosférica. Esse risco era ainda maior nas primeiras 24 horas após o contato com os poluentes.
Já um estudo com pesquisadores brasileiros, publicado também no último ano na revista científica Communications Earth & Environment mostrou como os incêndios florestais na Amazônia provocaram, entre 2010 e 2019, cerca de 15 milhões de atendimentos respiratórias e de doenças cardiovasculares, associadas aos poluentes atmosféricos.
Além disso, a poluição do ar é um dos 14 fatores de risco modificáveis para demência, segundo uma publicação na revista médica britânica The Lancet, a mais respeitada do meio médico. As doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e respiratórias associadas à poluição do ar podem causar altas taxas de morbimortalidade, que são as deficiências que levam à perda de saúde e eventualmente ao óbito, sendo também uma causa de morte prematura no mundo.
Os pesquisadores concluem chamando a atenção para o fato que, no futuro, mais análises com abrangência nacional e indicadores sociodemográficos como raça/cor da pele e renda média podem ajudar a detectar como a poluição tem um impacto significativo nas minorias sociais. "Além disso, investigar o acesso a hospitais e centros médicos vai nos ajudar a entender quais são os pontos-chave que explicam a variabilidade espacial dessas associações. Uma análise ponderada no futuro pode ser conduzida para evidenciar alguns desses mecanismos", dizem.