Alunos de escolas privadas, com pais ou responsáveis mais escolarizados e ricos, receberam um total de aulas presenciais na pandemia da Covid-19 significativamente maior do que os mais pobres, estudantes de escolas públicas e dependentes de pessoas menos educadas.
A diferença é ainda maior nos alunos do ensino fundamental, o que representará um marcador importante na redução da mobilidade social no país, além de sinalizar um aumento futuro da desigualdade de renda -já extremamente elevada no Brasil.
Segundo trabalho do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), a partir de dados da Pnad Covid19 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), as diferenças regionais também são significativas no quesito tarefas escolares, mesmo que online, recebidas pelos alunos.
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Estudantes entre 6 a 17 anos do Norte e Nordeste tiveram menos tarefas (75% e 84% deles, respectivamente) do que a média do Brasil (89%).
No caso das aulas presenciais, mesmo que parciais, alunos dessa mesma faixa etária, sob cuidados de responsáveis ricos e com ensino superior completo (ou além), tiveram mais que o dobro de oportunidades de interagir com professores na pandemia.
A diferença chega a quase três vezes levando-se em conta estudantes de escolas públicas e privadas (6% a 16%).
No caso dos alunos do ensino fundamental (6 a 9 anos) a disparidade é ainda maior: só 5% dos estudantes do ensino público tiveram aulas presenciais, ante 19% nas escolas privadas. A pesquisa pode ser acessada no site do IMDS.
Há diferenças também a favor de alunos de escolas privadas com responsáveis mais ricos e escolarizados no recebimento de atividades escolares, incluindo tarefas online.
Embora as diferenças na disponibilização de tarefas sejam menores no geral, alunos de famílias mais pobres tendem a ter menos supervisão para responder às lições, seja porque os pais continuaram saindo para trabalhar na pandemia ou pela falta de acesso à internet –além da própria limitação dos pais menos escolarizados.
Segundo Sergio Guimarães Ferreira, diretor de Pesquisas do IMDS, quatro medidas deveriam ser priorizadas para reforçar o ensino dos mais afetados na pandemia:
1) Busca ativa por alunos com baixa presença em sala de aula;
2) Programas de tutoria online no contraturno com o apoio de alunos de universidades;
3) Testes para identificar alunos críticos e dar tratamento customizado a eles; e
4) Na alfabetização, explorar tecnologias para desenvolver a consciência fonológica de alunos de até sete anos.
"A situação geral é bem mais crítica para os alunos do ensino fundamental. Pois, mesmo que tenham tido essa oportunidade, eles não conseguiram absorver o conteúdo de aulas online", diz Ferreira.
"Os dados mostram ainda que a pandemia aumentou o risco de a baixa escolaridade dos responsáveis acabar transmitida aos filhos, restringindo ainda mais a mobilidade social brasileira."
No Brasil, apenas 45% das crianças mais pobres têm pai ou mãe que completou o ensino médio. Entre as crianças mais ricas, essa taxa sobe a 97%, segundo estudo do economista Naercio Menezes, do Insper.
Para João Pedro de Azevedo, principal economista na área de Prática Global de Educação do Banco Mundial, o estrago causado pela pandemia no aprendizado -e na renda futura- dos estudantes no Brasil e no mundo ainda está longe de ser compreendido.
"Trata-se de uma catástrofe geracional", afirma. Azevedo considera que os mais afetados no Brasil tendem a ser os estudantes que estavam nos anos finais do ensino fundamental, e que podem vir a engrossar as estatísticas da evasão escolar.
O economista do Banco Mundial afirma que, além do aumento da desigualdade interna nos países, a pandemia acentuará as diferenças entre nações pobres e ricas.
Nesse sentido, a América Latina foi a região do mundo em que as escolas permaneceram fechadas por mais tempo.
Segundo indicador do Banco Mundial e do Instituto de Estatística da Unesco que mede a proporção de crianças em torno de dez anos que não conseguem ler e compreender um texto simples, havia 48% dos alunos nessas condições no Brasil em 2015 (ante média de 51% na América Latina).
Com o fechamento das escolas na pandemia, as simulações no ano passado sugerem um aumento dessa proporção em 11 pontos percentuais.
Uma medida semelhante do Banco Mundial, a partir de dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), mostra que a proporção de crianças brasileiras que não conseguem ler e compreender um texto simples, mesmo frequentando a escola, havia caído de 72% para 39% entre 2007 e 2019 (antes da pandemia).
Azevedo destaca como boa notícia o fato de o Ministério da Educação ter confirmado a realização o exame do Saeb no final deste ano.
"Será a pesquisa mais importante do sistema, pois permitirá entender o tamanho das deficiências e o perfil de quem perdeu mais na pandemia."