Em uma tradução livre, a inclusão social diz respeito a “enxergar o mundo em todas as perspectivas, permitindo a liberdade e boas condições de convivência para todos”. Na realidade, no entanto, isto está longe de acontecer porque boa parte dos espaços nem sempre é acessível a todos os públicos, como para as pessoas com deficiência. Comemorado nesta sexta-feira, 3, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência chama a atenção para essa e tantas outras lutas ainda enfrentadas por esses grupos.
“Quando o tema é deficiência, as pessoas se afastam, não têm interesse em saber, nem de participar de ações. A partir do momento que temos a informação, temos a responsabilidade de agir corretamente. Então as pessoas preferem não saber para não ter essa ‘responsabilidade’. Porém essa luta é de todos nós. Não tem mais espaço para não se sentir responsável e fazer o certo!”, alerta Vélvit Severo, mãe de um menino que nasceu com nanismo – transtorno que se caracteriza por uma deficiência no crescimento, que resulta numa pessoa com baixa estatura se comparada com a média da população.
Formada em Tecnologias em Sistemas para Internet, ela voltou a estudar para se munir de conhecimento para lutar pela inclusão e combater o preconceito. “É doloroso demais ter que conversar com um filho de sete anos sobre suicídio porque outras crianças riram dele na rua e o chamaram de anão”, lamenta Vélvit, que integra a diretoria da Annabra (Associação Nanismo Brasil).
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Graduanda em Educação Inclusiva, Vélvit é autora da cartilha Escola para Todos: Nanismo, lançada em 2018, em uma audiência pública no Senado Federal com objetivo de conscientizar pais e educadores sobre como acolher crianças com nanismo.
Além de adaptações simples na estrutura física das escolas, como apoio para os pés nas cadeiras e bebedouros e banheiros adaptados, a mudança principal é fruto de conversas que fomentem o respeito à diversidade.
“Não queremos romantizar a deficiência, mas com diálogo podemos trabalhar a aceitação, o respeito às diferenças porque cada ser humano é único nas suas especificidades”, defende Vélvit, lembrando que a cartilha pode ser acessada no site por apenas R$ 10. O conteúdo é apresentado de forma lúdica no YouTube, também legendado e com tradução para a linguagem de Libras (Língua Brasileira de sinais).
Sobre o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, Vélvit conclui dizendo que se há datas como essa é para lembrar a todas as pessoas sobre nossas responsabilidades.
“Não fuja dessa responsabilidade de conhecer e repensar seu conceito de pessoa com deficiência. Não precisa ter caso na família e nem próximo para entender, basta refletir teu olhar à diversidade e perceber que esse mundo é totalmente exclusivo e capacitista!”, alerta.
Poder enxergar o mundo - Assim como o filho de Vélvit, um menino sorridente e brincalhão como toda criança deve ser, muitos outros brasileiros com potencialidades incríveis têm nanismo. O Brasil não tem dados estatísticos oficiais, mas a estimativa é que de cada 15 mil nascidos vivos, um bebê nasce com algum tipo de nanismo.
E são mais de 400 tipos. A auxiliar administrativa Jaciara Silva Magalhães, de 51 anos, é uma dessas pessoas. A profissional tem 1,34m de altura, os membros encurtados e pés pequenos (calça sapatos de número 30), mas isso não a impede de ter sonhos grandes. Jaci, como gosta de ser chamada, sonha com um mundo onde o respeito pelo outro vá além do discurso.
Mesmo com todas as dificuldades de mobilidade que enfrenta todos os dias, ela considera o preconceito das pessoas o maior desafio a ser enfrentado quando sai de casa. “Muita gente dá risada na rua quando eu passo. Como já tenho muita maturidade eu encaro isso com leveza, mas já tive momentos de me sentir muito triste por isso”.
Recentemente, além de todos os obstáculos do dia a dia, Jaci precisou travar uma luta com o pedreiro que reformava sua casa por conta da altura das janelas. Ele não entendia que a obra não podia seguir o padrão. "As janelas da minha casa são bem baixinhas que é para eu poder enxergar o mundo!".
Literatura infantil em prol da inclusão - Viver diferente do padrão é para os grandes. Em uma sociedade que ainda precisa avançar muito nos quesitos respeito à diversidade e inclusão, quem nasce com nanismo ou alguma outra condição que compromete o crescimento tem que aprender desde cedo a se enxergar além dos olhares curiosos e de chacotas.
O pequeno Tião, protagonista do mais novo livro de literatura inclusiva de Celina Bezerra, aprendeu rápido a lição. “Gosto de, através das minhas histórias, quebrar paradigmas e contribuir para que as pessoas olhem, não para as deficiências, mas sim para as potencialidades do outro”, explica a autora carioca que mora na Bahia há duas décadas.
O pequeno grande Tião, o menino com nanismo integra a série Amigos Especiais da Editora InVerso e tem ilustrações assinadas por Kitty Yoshioka. A baixa estatura não comprometia a felicidade do menino que vive em uma cidade do interior com sua família. As peraltices eram as mesmas de toda criança, com a vantagem de que ele podia se esconder nos lugares mais inusitados onde mais ninguém cabia.
Nada o impedia de fazer o que queria. Em casa, seus pais adaptaram sua cama, os móveis, a pia e até o vaso do banheiro. Todos adoravam o pequeno amigo de coração enorme. Ninguém o tratava diferente por conta da sua altura.
Tião não sabia o que era Bullying até que precisou se mudar com a família para uma outra cidade, onde foi recepcionado por olhares curiosos, gargalhadas e até piadas.
“Por ter sido criado em uma comunidade que o aceitava, Tião conseguiu enfrentar a situação. Se não fosse seguro de si, poderia se fechar para o mundo como acontece com muita gente”, avalia a autora.
Formada em Letras e pós-graduada em Educação Inclusiva e em Educação da infância com Ludicidade, Celina tem se destacado na cena literária pela escrita necessária dedicada às temáticas da diversidade e inclusão.
“O livro Tião traz esclarecimentos para as crianças e para os pais também, sobre a importância do respeito às diferenças”, avalia Jaciara Magalhães, que se sentiu representada pela obra literária.
Tião, Bruna, Sabrina, Charles... personagens até bem pouco tempo invisíveis na literatura infantil protagonizam histórias de inclusão que brotam do imaginário da escritora Celina Bezerra. O livro de estreia foi “Bruna, uma amiga Down mais que especial”, lançado em 2017. Dois anos depois, “Sabrina, a menina albina” ganhava os holofotes.
Em 2021, Charles, a estrela autista chegava ao mercado. “Tenho 12 temáticas listadas para escrever. Ainda pretendo lançar livros com personagens que representem crianças com deficiência auditiva, visual, paralisia cerebral”, lista a autora cujos livros podem ser adquiridos nas livrarias, no site da editora (www.editorainverso.com.br) ou nas redes sociais da autora @celina_bezerra.