A má nutrição durante os anos escolares pode ser uma das principais causas para uma diferença de estatura de mais de 20 cm entre as nações, dizem autores de uma análise global publicada nesta quinta (5) na revista científica britânica The Lancet.Isso representa uma lacuna de crescimento de oito anos para as meninas e uma lacuna de crescimento de seis anos para os meninos.
Ou seja, garotas de 19 anos em Bangladesh e na Guatemala (as nações com as meninas mais baixas do mundo) têm a mesma altura de uma menina de 11 anos na Holanda, o país com os mais altos estudantes. Garotos do Nepal com 19 anos têm altura semelhante à de holandeses de 13.
Os brasileiros, que estão em posições intermediárias no ranking de idade, chegam aos 19 anos com estaturas equivalentes a holandesas de 13 anos de idade e holandeses de 15 anos.
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Para montar um mapa global de estatura e índice de massa corporal (IMC, uma relação entre altura e peso que indica se pessoa tem um peso saudável para sua estatura), o grupo de pesquisadores avaliou dados de 65 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar em 193 países do mundo.O estudo, que avaliou medidas de estudantes de 5 a 19 anos de idade, constatou enorme variação na altura e no peso de crianças da mesma idade.
Segundo os autores, parte importante dessa diferença reflete uma desigualdade na nutrição infantil e nas condições de saúde, relação já mostrada em vários estudos científicos.No Brasil, pesquisas indicam que investimentos em medidas de saúde básica no começo do século 20 provocaram um salto na estatura brasileira.
A falta de condições de saúde e de alimentos de qualidade pode levar tanto ao crescimento atrofiado quanto ao aumento da obesidade infantil, com prejuízos para a saúde e o bem-estar por toda a vida em ambos os casos.
Baixa estatura e peso excessivamente baixo para a altura (que resultam num baixo IMC) aumentam o risco de morbidade e mortalidade, prejudicam o desenvolvimento cognitivo e reduzem o desempenho educacional e a produtividade no trabalho na vida adulta.
Já um IMC muito alto está associado a maior risco de invalidez e morte prematura na idade adulta e com problemas de saúde mental e resultados educacionais.
Em muitas nações, os pesquisadores notaram que crianças de cinco anos tinham altura e peso saudáveis, pelos parâmetros da OMS (Organização Mundial da Saúde), mas a partir dessa idade ganhavam muito peso e cresciam pouco, em comparação com o potencial de crescimento saudável.
Alunos de escola estadual em São Paulo se servem de merenda saudável produzida sob orientação da chef Janaina Rueda (Bar da Dona Onça) Adriano Vizoni - 19.set.2017/Folhapress Crianças se servem de salada e outros alimentos em cantina de escola ** "Isso mostra que há um desequilíbrio entre o investimento na melhoria da nutrição em períodos pré-escolares e em crianças e adolescentes em idade escolar", afirmou Majid Ezzati, professor da Escola de Saúde Pública do Imperial College e autor sênior do estudo.
Segundo ele, a questão ficou especialmente importante durante a pandemia Covid-19, quando escolas foram fechadas em todo o mundo "e muitas famílias pobres são incapazes de fornecer nutrição adequada para seus filhos".
Para a principal autora da pesquisa, Andrea Rodriguez Martinez, também da Escola de Saúde Pública do Imperial, as descobertas deveriam pautar políticas que reduzam o custo e aumentem a oferta de alimentos nutritivos a crianças em idade escolar.
"Essas iniciativas incluem vales-alimentação para alimentos nutritivos para famílias de baixa renda e programas de alimentação escolar saudável e gratuita, particularmente ameaçados durante a pandemia", afirmou ela.
Durante os 35 anos acompanhados pelo estudo (de 1985 a 2019), as maiores melhorias na altura média ocorreram em economias emergentes como China, Coreia do Sul e algumas partes do sudeste da Ásia.
Meninos chineses de 19 anos tinham em 2019 uma estatura 8 cm maior que a dos que estavam com essa idade em 1985, levando o país a escalar o ranking global de altura do 150º lugar para o 65º.
A China é um dos países em que o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) financiou programas de alimentação nutritiva nas escolas primária e secundária, para mudar hábitos alimentares e melhorar as condições de saúde.
No Brasil, garotos de 19 anos passaram de 1,71 metro para 1,76 metro em média, subindo no ranking da 88ª colocação para a 64º. As garotas, no mesmo período, deram um salto maior no ranking, do 117º lugar para o 70º, com estatura média de 1,62 metro em 2019, contra 1,58 metro em 1985.
Na direção contrária, a altura das crianças, especialmente de meninos, ficou estagnada ou até diminuiu em países da África subsaariana. Os cientistas, liderados pelo Imperial College de Londres, criaram um site em que é possível visualizar os diferentes resultados por país.
Em relação ao IMC, o estudo mostrou crescimento em todos os países, com índices preocupantes em países como os Estados Unidos, por exemplo. A porcentagem de americanos de 19 anos obesos chega a 20%, e outros 39,1% têm sobrepeso.A diferença entre os países com maior e menor IMC corresponde a cerca de 25 kg (o valor não é exato, já que o índice também leva em conta a altura).
O trabalho ressalva que o IMC é uma medida imperfeita da extensão e distribuição da gordura no corpo, mas tem a vantagem de ter dados coerentes e comparáveis em muitas pesquisas de base populacional.Segundo os autores, uma revisão sistemática relatou correlação alta entre o IMC e a gordura corporal medida por métodos mais precisos.
Os pesquisadores apontam também que, com em outras análises globais, o estudo tem limitações. Uma das principais é a falta de dados em alguns países, especialmente os do Caribe, Polinésia e Micronésia, Melanésia e África subsaariana. Dos estudos usados, menos da metade tinha dados para crianças de 5 a 9 anos; quase 90% tinham dados para crianças de 10 a 19 anos.As lacunas aumentam a incerteza nos resultados para aquelas regiões e para as faixas mais jovens de estudantes.
Além da nutrição, outros fatores podem explicar as diferenças de estatura e IMC entre crianças e jovens no mundo. Entre eles, há um componente genético importante para estatura entre uma mesma população. "No entanto, a genética explica uma pequena parte da variação entre os países ou as mudanças ao longo do tempo, especialmente para o IMC", afirmam os autores.
Pesquisas anteriores também mostraram que a altura dos descendentes de imigrantes normalmente converge para a altura de seu novo país dentro de algumas gerações, o que indica o impacto da nutrição e do ambiente.
O estudo foi financiado pelo Wellcome Trust, pelo Programa de Saúde Jovem do laboratório AstraZeneca e pela União Europeia.