A fama de pacifistas dos bonobos ou chimpanzés-pigmeus (Pan paniscus), primatas que estão entre os parentes mais próximos do ser humano, parece ter sido bastante exagerada, indica um novo estudo. Observações conduzidas em dois países africanos mostraram que as interações agressivas entre os machos da espécie podem ser três vezes mais frequentes do que as vistas entre chimpanzés-comuns -símios normalmente retratados como muito mais violentos que os bonobos.
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Embora a gravidade média das agressões ainda pareça ser bem menor entre os bonobos, os novos dados ajudam a traçar um retrato mais equilibrado dos chamados "macacos hippies", diz a coordenadora do estudo, Maud Mouginot, da Universidade de Boston.
"Chimpanzés e bonobos usam a agressividade de maneiras diferentes, por razões específicas. A ideia não é invalidar a imagem de que os bonobos são pacíficos, mas mostrar que há muito mais complexidade em ambas as espécies", diz a antropóloga, cujo trabalho com colegas da França e dos EUA acaba de sair na revista especializada Current Biology.
O estudo foi conduzido na Reserva de Bonobos Kokolopori, na República Democrática do Congo, e no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia. Em vez de acompanhar as comunidades de ambas as espécies como um todo, os pesquisadores adotaram o método do acompanhamento focal, no qual os primatólogos escolhem um indivíduo do grupo para ser o foco de seu interesse e fazem marcação cerrada com o bicho, seguindo-o durante todas as suas atividades ao longo dia.
"A gente vai até os ninhos dos macacos, espera que eles acordem e aí segue os indivíduos o dia inteiro, até a hora em que vão dormir, registrando tudo o que fazem", resume Mouginot.
Para isso, foram selecionados 12 bonobos (no Congo) e 14 chimpanzés (na Tanzânia), com idades acima dos 12 anos (ou seja, não eram mais "crianças" para os padrões dessas espécies). Todos os indivíduos eram machos, já que, entre os grandes símios, o sexo masculino costuma ter uma associação maior com comportamentos agressivos. No total, os macacos foram acompanhados ao longo de mais de 2.000 horas de vida na floresta.
Ao acompanhar os bichos, os pesquisadores registraram tanto sinais de agressividade sem contato físico (como partir para cima de um companheiro de espécie, o chamado "charging" ou "carga", ou então persegui-lo) quanto momentos em que os animais iam às vias de fato. Em ambas os casos, o comportamento agressivo entre bonobos machos era cerca de três vezes mais frequente.
As interações entre os sexos dão mais pistas sobre as diferenças entre as espécies. Os pesquisadores verificaram que, enquanto as agressões praticadas por bonobos machos contra fêmeas são muito raras (apenas 3% das situações registradas), os chimpanzés do sexo masculino agridem as fêmeas com frequência (32% dos casos observados). A situação se inverte quando as fêmeas são as agressoras: entre chimpanzés, elas partiam para a violência em só 1,8% das observações, enquanto no caso dos bonobos as fêmeas eram as agressoras em 15,5% das interações violentas.
Tudo isso faz sentido quando se considera que as hierarquias sociais de cada uma das espécies também são invertidas: entre bonobos, as fêmeas é que são dominantes, enquanto os machos ditam as regras nos grupos de chimpanzés. Mas há mais detalhes interessantes aí.
No caso dos bonobos, algo que quase não se vê são alianças entre machos para dar uns sopapos em um ou mais membros do bando ou de bandos vizinhos, prática que é comum entre chimpanzés. Essa provavelmente é uma das explicações para a morte relativamente frequente de chimpanzés "em combate", algo até hoje não registrado no caso dos bonobos, e para a gravidade menor das agressões nessa espécie.
Por fim, para machos de ambos os primatas, o comportamento agressivo tem correlação com uma vantagem importante: sucesso sexual. Em média, machos mais agressivos copulam com as fêmeas com mais frequência, algo que não era esperado no caso dos bonobos.
Ainda não é possível saber se os dados valem também para outras comunidades dessas espécies, já que diferenças "culturais" às vezes influenciam essas variáveis no caso de primatas. É algo a ser investigado no futuro em outras regiões da África habitadas pelos bichos.