Deputados bolsonaristas buscam aprovação de um projeto de lei que altera o Código Penal e exclui do crime de abandono intelectual as famílias que adotem educação domiciliar. No entanto, a manobra ocorre mesmo sem que a modalidade tenha sido regulamentada pelo Congresso.
O projeto de lei foi colocado em pauta na CCJ (Constituição de Constituição e Justiça) da Câmara sob o comando da presidente do colegiado, Bia Kicis (PSL-DF). Ela é uma das autoras do texto, ao lado das deputadas do mesmo partido Chris Tonietto (RJ) e Caroline de Toni (SC).
Nesta terça-feira (8), os parlamentares iniciaram os debates sobre o tema na comissão, mas por volta da 16h20 a discussão foi interrompida com o início da ordem do dia no plenário. A discussão deve ser retomada na quarta-feira (9).
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Atualmente, o ensino domiciliar não tem respaldo legal, uma vez que é obrigatória a matrícula dos 4 aos 17 anos. O STF (Supremo Tribunal Federal) já considerou que a modalidade não é inconstitucional, contanto que seja regulamentada pelo Legislativo.
O chamado homeschooling é uma pauta histórica de grupos religiosos e conservadores. O governo Jair Bolsonaro elegeu o tema como única prioridade para este ano no Legislativo para, com a aprovação, dar um aceno à sua base.
O projeto que trata de alteração do código penal estava apensado ao que trata das regras do homeschooling, relatado pela deputada Luísa Canziani (PTB-PR). Mas, em 22 de março, a deputada Bia Kicis o retirou do conjunto para levá-lo adiante em separado.
Segundo parlamentares, trata-se de uma manobra dos bolsonaristas para abrir caminho para a oferta de educação fora da escola sem que haja necessariamente respeito às regras e obrigações que estão em discussão no trabalho tocado por Canziani.
A Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar) se posicionou contra, por exemplo, a exigência de que os pais tenham diplomas para participarem da modalidade, como consta no relatório.
O governo Bolsonaro tem tentado manobras parecidas com as de Bia Kicis. Em maio de 2019, a ministra Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ) encaminhou ofício orientando conselhos tutelares a não considerar como evasão escolar os casos de crianças e adolescentes que estudem em casa. O governo acabou revogando a medida após questionamento do Ministério Público Federal.
A equipe do ministro Milton Ribeiro (Educação) tentou, no fim do ano passado, criar uma cadeira cativa para ensino domiciliar no Fórum Nacional de Educação, principal instância de articulação da pasta com a sociedade civil. Sem ainda ter regulamentação, o governo foi vencido na empreitada.
Parlamentares e especialistas que acompanham o tema ouvidos pela reportagem afirmam que é possível que o texto de Kicis passe pela CCJ, mas que é remota a chance de ele chegar a plenário antes do projeto que de fato regulamenta essa oferta. O relatório da deputada Canziani deve chegar ao plenário na próxima semana.
O projeto das deputadas bolsonaristas quer alterar o artigo 246 do Código Penal. O texto diz que é culpado de abandono intelectual aquele que "deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar". A pena prevista é de detenção de 15 dias a 1 mês, ou multa.
"Pais zelosos que ensinam seus filhos, pais que assumem o protagonismo da educação dos seus filhos, têm sido tratados por alguns agentes do estado como verdadeiros criminosos, correndo risco de perder a guarda dos filhos, de pagar multa, de serem importunados", disse Bia Kicis na comissão nesta terça.
A deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) afirmou que há um problema de caracterização do assunto. "Nós não temos regulamentado o que é a educação domiciliar", diz.
"Se nós mudarmos o Código Penal, poderemos estar dando condições para que aqueles pais que não se preocupam com os filhos justifiquem a evasão escolar ou também se beneficiem oportunisticamente dessa mudança para não justificar preocupação e cuidado com seus filhos e com a educação."
O relatório do projeto que vai regulamentar o ensino domiciliar no Brasil prevê alguns controles, como a obrigação de seguir o currículo nacional, formação de nível superior dos pais, avaliações anuais e a possibilidade de perda do direito em caso de reprovações.
Há acordo para que o texto seja votado diretamente no plenário, sem passar pela comissão de Educação da Casa –onde os debates poderiam ser aprofundados.