Uma pesquisa avaliou a relação entre o horário de início das aulas e a presença dos alunos e encontrou um resultado que muitos podem considerar familiar: aquelas que começam antes das 9h prejudicam o sono dos estudantes e levam à menor frequência escolar em comparação àquelas iniciadas mais tarde.
No trabalho, os cientistas analisaram aulas das 8h às 16h e descobriram que a presença foi cerca de 10% menor nos cursos matutinos. Além disso, a proporção de estudantes que acordaram após o começo da aula quando o início se dava às 8h -o que os levou a perder a hora e a não conseguir acompanhar o conteúdo- também prejudicou a absorção do aprendizado.
O estudo, publicado no último mês na revista especializada Nature Human Behaviour (do grupo Nature) e conduzido por pesquisadores da Escola de Medicina Duke-NUS e do Instituto para Ciências Aplicadas de Aprendizado e Educação Tecnológica da Universidade Nacional de Singapura, ambas em Singapura, reforça que exigir a presença em aulas que começam muito cedo deve ser evitado nas universidades, uma vez que há relação com um pior desempenho acadêmico.
Para avaliar a ligação entre o horário de início das aulas e a qualidade do sono dos estudantes, os pesquisadores fizeram três experimentos. O primeiro mediu, pelo acesso ao wi-fi do campus de uma universidade, a presença de mais de 23 mil estudantes que participavam de 337 cursos.
A frequência das conexões foi aproximadamente 10% menor quando as aulas iniciavam às 8h em comparação aos cursos a partir das 9h. Os cientistas afirmam que o acesso ao wi-fi e a frequência têm associação direta em quase 100% do casos (0,98, com intervalo de confiança de 95%).
Em seguida, os cientistas avaliaram se os alunos estavam comparecendo menos às aulas porque estavam dormindo. Para isso, avaliaram 181 estudantes com aparelhos de avaliação de sono e atividade por seis semanas. Como resultado, quase um terço dormia até depois do início das aulas quando eram iniciadas às 8h, e cerca de metade não conseguia acordar a tempo para chegar no curso.
Por fim, foi feita a relação com o sono diurno e noturno (em termos de duração). Os centistas descobriram que um maior número de aulas com início cedo levava a uma frequência maior de sonecas durante o curso e que a média diária de sono pela noite era cerca de 17% menor nos alunos que começavam antes das 9h em comparação àqueles que iniciavam as classes meio-dia.
Para o biólogo e professor de genômica evolutiva na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e professor visitante na Universidade Estadual de Michigan (EUA), Luiz Eduardo Del-Bem, que não participou do estudo, o artigo traz algumas observações importantes que podem ajudar a compreender a evolução do aprendizado humano.
"O cérebro humano possui dinâmicas distintas de vigília e sono em crianças, adolescentes e adultos. Enquanto adultos podem dormir menos horas e ainda assim conseguir ter um alto desempenho, sabemos que em adolescentes e jovens não funciona assim", diz, afirmando ainda que a pesquisa mostra o efeito acumulativo da falta de sono no desempenho acadêmico.
Embora estatisticamente as notas dos estudantes não tenham apresentado alterações significativas em relação ao horário das aulas, a absorção do conteúdo foi pior quando iniciadas às 8h. "Nós que somos professores sabemos que muitas vezes o aluno até está lá presencialmente na aula antes das 9h mas está dormindo. Então esse aprendizado é perdido", afirma.
Em uma pesquisa conduzida com colégios do ensino médio de Fortaleza, Pedro Burin e seu aluno de mestrado Felipe Rocha Alves, da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará), avaliaram que aulas pela manhã tinham incidência de 48% do excesso de sonolência diurno nos alunos em relação às vespertinas, afetando também o aprendizado e desenvolvimento dos jovens.
Para Del-Bem, estas e outras pesquisas mostram que há um efeito ainda pouco mensurado sobre o bem-estar e aprendizado que crianças e adolescentes perdem quando submetidas a cursos nestes horários. "O quanto não perdemos de desenvolvimento intelectual que poderia ser produzido porque obrigamos os jovens a terem aulas muito cedo e tiveram pior aprendizado", finaliza.