Após enfrentar novo pico de casos de Covid-19 e sob protestos de professores, o governo do Paraná manteve para o domingo (10) uma avaliação presencial para contratação de docentes temporários. O concurso conta com 40 mil inscritos e será realizado em 30 cidades. A APP-Sindicato, que representa a categoria, ingressou na Justiça para tentar barrar a seleção.
Já em novembro de 2020, após a Secretaria Estadual de Educação anunciar o concurso, membros do sindicato mantiveram por uma semana em greve de fome em frente à sede do Executivo do Paraná. O protesto surtiu efeito e, por meio de uma ação movida pelo Ministério Público, a seleção chegou a ser adiada por duas vezes, mas foi por fim confirmada. O MP recorreu da decisão.
O edital prevê a contratação inicial de 4.000 docentes temporários para 2021 por meio de PSS (processo seletivo simplificado).
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O número de vagas deve ser ampliado, a depender da demanda. É a primeira vez que o estado aplica uma prova de conhecimentos para contratar temporários, que até então eram chamados conforme o tempo de serviço e os títulos.
O sindicato argumenta que o período de pandemia oferece riscos a todos os envolvidos, principalmente aos profissionais idosos, com alguma comorbidade, ou gestantes.
É o caso do professor Gonçalves (a pedido, seu nome foi preservado), 42, que leciona filosofia. Ele já teve crises de bronquite, toma remédios para controlar a hipertensão e, apesar de inscrito, desistiu de comparecer ao teste por conta dos riscos para a saúde.
"Não vou fazer [a prova] porque não vou me arriscar, acho que não vale a pena. Muitos foram mandados para locais bastante longe de onde moram, o que vai provocar mais transtornos."
Mesmo que se submeta ao exame, não há garantia de que consiga estar em sala de aula em 2021. Isso porque o edital da prova prevê que integrantes do grupo de risco para a Covid-19 não assumam as vagas imediatamente.
Além disso, a carga horária das disciplinas de filosofia, sociologia e artes será reduzida de duas aulas semanais para apenas uma. "Para fechar 40 horas, o professor vai ter que pegar 26 turmas, o que é impraticável", avalia.
Já o professor de matemática Haroldo Dias da Motta, 64, que é hipertenso e diabético, decidiu participar da prova. Aposentado em 2017, ele viu no trabalho temporário uma alternativa para complementar a renda. "Vou usar máscara com quatro tecidos, que não deixa respirar muito bem, mas tem proteção maior", conta o professor, que já teve Covid-19, sem sintomas graves.
Ele lembra que o governo do estado baixou medidas restritivas para evitar contágios, como toque de recolher entre 23h e 5h, e proibição de realização de eventos com mais de dez pessoas. Porém, no dia 30 de dezembro, o governador Ratinho Jr. (PSD) modificou uma das regras do decreto, excluindo as restrições para garantir a realização da seleção.
"Uma palavra define isso: genocídio", desabafa o professor de física Antônio, 62, que também pediu para não ter o nome completo divulgado. Em 2013, ano do último concurso público para professores efetivos do estado, ele não pôde prestar a prova, pois passou por uma cirurgia.
Antônio tem próteses no quadril e cotovelo, baixa imunidade e diabetes e, mesmo assim, vai comparecer ao teste presencial. "Como vou me manter sem trabalho? Estava até pensando em fazer Uber, mas não tem como. Como vou trabalhar dirigindo se já estou com medo de fazer a prova? Raramente saio de casa, moro bem afastado, em uma chácara, e evito sair", diz.
A secretaria de Educação confirmou que pessoas do grupo de risco só serão chamadas para assumir as aulas quando "acabar a situação emergencial da pandemia", mas disse que os classificados terão a vaga garantida. Destacou ainda que parte dos selecionados substituirá professores efetivos que não podem atuar presencialmente.
O retorno às aulas presenciais no Paraná está previsto para 18 de fevereiro -a confirmação da data depende do avanço da pandemia. Inicialmente, será adotado um modelo híbrido, com parte dos alunos em sala e outra parte com aulas virtuais, sem obrigatoriedade de que estejam nas escolas.
Depois de uma fase de recrudescimento da pandemia, em dezembro, o Paraná registrou números em queda no início de 2021. Em 8 de janeiro, a taxa de ocupação de UTIs gira em torno de 77%. Porém, o número de leitos foi recentemente expandido e está perto do limite de ampliação.
Apesar de registrar oficialmente uma queda na média móvel de casos e mortes por Covid-19, o sistema do governo estadual está desatualizado e contabiliza 35% menos confirmações e 13% menos óbitos em relação aos números divulgados pela prefeitura de Curitiba, por exemplo.
O edital para contratação via PSS é uma das várias brigas dos professores contra o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, que chegou a ser cotado como ministro do governo Jair Bolsonaro (sem partido). "Não faz sentido fazer um aparato desse de prova para uma contratação tão precarizada como é o contrato temporário", afirma Hermes Silva, presidente da APP-Sindicato.
A melhor alternativa, segundo Silva, seria renovar os atuais contratos temporários e organizar um concurso para professores efetivos, diminuindo o número de vagas do regime PSS.
Porém, segundo a Secretaria de Educação, a legislação não permite a renovação. "Os professores temporários que atuaram em 2020 já estavam sob contratos prorrogados. Ao todo, eles permaneceram por dois anos (2019 e 2020), o limite estabelecido por lei para esse tipo de contratação, sendo então necessário um novo processo seletivo", afirma a pasta.
Diante dos protestos, Feder modificou a seleção. Foram mantidos o tempo de serviço e a prova de títulos como critérios para a seleção e retiradas da classificação a prova de redação e a banca avaliativa, originalmente planejadas.
Porém, ao mesmo tempo, o governo mandou fechar seis escolas por ocuparem prédios que pertencem às prefeituras e não ao Estado. Também não prorrogou os mandatos de diretores e auxiliares de escolas que não cumpriram metas estabelecidas pela secretaria durante a pandemia. Esta medida, no entanto, foi barrada na Justiça após reclamação da APP-Sindicato.
Hermes cita ainda a reclamação da categoria em torno da militarização de 201 escolas do Paraná a partir de 2021, cerca de 9% do total de estabelecimentos do estado. Segundo ele, há relatos de ilegalidade na consulta popular para implantação do modelo, principalmente em colégios com aulas noturnas, que serão extintas nas escolas que adotarão o sistema.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Educação afirmou que a seleção foi aberta a todos os profissionais e seguirá o protocolo de prevenção aprovado pela Secretaria de Saúde.
Entre as medidas estão o uso obrigatório de máscaras, a verificação de temperatura corporal e o distanciamento de 1,5 m entre candidatos e aplicadores. O candidato só terá acesso ao local da prova se sua temperatura corporal for inferior a 37,1 ºC.
A secretaria informou que os candidatos que se declararam infectados com a Covid-19 devem se submeter ao isolamento social e, portanto, não devem comparecer à prova.
Segundo a pasta, o teste foi adiado em virtude do momento da pandemia, mas que, no momento, há um novo cenário e um decreto garantindo a realização do exame com segurança.
"A avaliação é necessária para a continuidade do processo seletivo desses profissionais que incorporam a rede estadual com mais de um milhão de alunos, cujo ano letivo começa em fevereiro."