Dois alunos do Colégio Estadual Professora Roseli Piotto Roehrig, localizado na região norte de Londrina, foram aprovados no Vestibular da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que teve o resultado divulgado na última quinta-feira (4). Os professores da instituição de ensino fundamental e médio comemoraram a conquista dos estudantes, que vão ingressar nos cursos de Direito e Letras Vernáculas.
Laysla Fernanda Gonçalves Dos Santos, de 18 anos, relata que tinha o sonho de ser aprovada no processo seletivo da UEL. A alta qualidade da universidade, juntamente com a falta de condições de pagar uma faculdade privada, foram os principais motivos para a escolha.
"Sempre frequentei escolas públicas. Quando eu comecei a entender mais sobre curso superior, eu já tinha em mente que eu iria prestar o vestibular para cursar Direito na UEL. Por ser uma das melhores do Sul e por ser pública, pois não teria como ter acesso a uma faculdade particular por questões financeiras", diz a estudante recém-formada no ensino médio.
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Além de escolher um dos cursos mais concorridos da UEL, Laysla conta que não teve a oportunidade de ter aulas extras de apoio, como as oferecidas pelo CEPV (Curso Especial Pré-Vestibular), já que trabalha e estuda.
"No meio desse caminho, eu comecei a trabalhar. Então, eu sempre estudei por conta própria. Como eu trabalhava como estagiária, sempre que eu tinha um tempo, eu estudava. Ganhei algumas apostilas de uma garota que estudava para Medicina, pedi ajuda ao colégio para imprimir as apostilas do CEPV e eu estudava por elas, fazia exercícios, assistia bastante aulas no YouTube, sempre revisava as matérias que os professores passavam, pesquisava bastante sobre vários assuntos da atualidade, aproveitava bastante as aulas de português e de redação que a professora dava", relembra.
A caloura de Direito cita que o fato de ser a primeira vestibulanda da sua família gerou momentos de incerteza sobre a aprovação. "Eu sempre tive medo, porque as pessoas sempre me disseram que era muito difícil, e também pelo fato de ninguém da minha família ter dado continuidade [aos estudos]."
A jovem também ressalta que o apoio recebido pelos profissionais da educação do Colégio Roseli Piotto fizeram toda a diferença em sua aprovação. "Faz uma enorme diferença ter pessoas e profissionais que apoiam e que dão incentivo. Minha família sempre me apoiou a dar continuidade aos estudos, já que isso é o meu sonho e, inclusive, da minha mãe. Muitos professores do Roseli Piotto me apoiaram, incentivaram e deram suporte com algumas matérias por fora do colégio. Apoiar e incentivar as pessoas a dar continuidade aos estudar é de suma importância. Às vezes, as pessoas até têm o pensamento em fazer um curso superior, porém uma pessoa incentivando e ajudando é melhor", valoriza.
Gustavo André Oliveira, de 19 anos, mora no jardim São Jorge (zona norte de Londrina) e também era discente do Colégio Roseli Piotto Roehrig. O estudante, diferentemente de Laysla, teve a oportunidade de ter aulas pelo CEPV, o que o ajudou a ser aprovado em Letras Vernáculas. "Eu estudava nos três períodos do dia: de manhã, no ensino regular; de tarde, no NAAHS [Núcleo de Atividades de Altas Habilidades e Superdotação]; e depois ia para o cursinho da UEL [CEPV]", relembra.
Oliveira conta que se apaixonou pela língua portuguesa e, com o apoio dos professores e da família, decidiu ingressar no curso superior ofertado pela UEL. "Sempre me interessei pela docência e algum tempo depois, pouco antes de ingressar no ensino médio, percebi que queria fazer Letras. Tinha criado afeição pelo curso e os conteúdos derivados dele, como, por exemplo, a literatura. Obtive apoio da minha família e meus professores me incentivaram a fazer uma graduação e continuar estudando", relata o jovem.
Orgulho
Professor de Arte e diretor auxiliar do Colégio Roseli Piotto, André Camargo acompanha a jornada dos dois estudantes desde o ensino fundamental. Para ele, os jovens traçaram caminhos diferentes até chegarem à aprovação. Gustavo, segundo o docente, teve uma ascensão no meio do curso escolar. Laysla, no entanto, já ingressou no ensino fundamental focada.
"Dentro do ensino médio são poucos os estudantes que conseguem ter uma leitura do que querem e se propõem a estudar. O Gustavo foi um estudante que amadureceu na pandemia. A gente tinha um Gustavo no primeiro ano, que era um menino curioso. No segundo ano, ele optou por não estudar 2020 e retornou em 2021 totalmente mudado, focado e engajado. Passa a compor o NAAHS, que foi um fator importante, e passa a assumir responsabilidades, como o grêmio estudantil. Do sexto ano [do fundamental] até o primeiro ano [do ensino médio], a gente tinha um menino. No segundo ano, ele passa a desenvolver um foco", analisa o professor, que atua no colégio há quase 20 anos.
"A Laysla já é um outro caminho. Ela já entrou focada. No sexto ano, ela já era aplicada nos estudos. A mãe é uma pessoa que incentivou demais. Ela tem o incentivo doméstico. Ela ser a primeira da família a ingressar no ensino superior é uma projeção do sonho da mãe. Ela manteve uma constância. Ela mudou para o noturno e disse que precisava trabalhar. Eu manifestei a minha preocupação a ela, porque a tendência do noturno é o aluno relaxar, mas ela conseguiu manter o foco e estudar por conta", relata Camargo.
A periferia e a universidade
Presente no colégio desde a fundação, em 2004, Camargo conta que a primeira turma do terceiro ano do ensino médio que a instituição teve foi integralmente baseada na inserção dos alunos no mercado de trabalho.
"O foco dos 11 estudantes era o fato de que a empresa que os contratou estava pedindo o certificado do ensino médio. A relevância da escola naquele momento era cumprir uma determinação empregatícia. Com o tempo, percebi que a escola não era significativa para os estudantes. Uma das grandes dificuldades de escolas periféricas, como a nossa, é colocar estudantes em universidades públicas, pelo fato dos estudos não serem relevantes para as famílias em si", revela.
A baixa aprovação de estudantes de colégios periféricos na universidade pública, de acordo com o professor, é um problema estrutural, que assola as comunidades históricamente, passando de pais para filhos.
"O baixo índice de frequência dos pais, o baixo índice de envolvimento da família com a vida escolar, a pouca participação nas reuniões de planejamento da escola, o baixo número de professores permanentes do colégio, a baixa escolaridade das famílias, a ausência de capital econômico e cultural dessas famílias, todos esses fatores são determinantes para que escolas como a nossa não emplaquem números significativos de estudantes na universidade pública", pondera Camargo.
Para ele, o problema não é a falta de vontade dos alunos, mas a ausência de incentivo das instituições de ensino superior, que não se mostram atrativas àqueles que pouco sabem o que é uma graduação e os benefícios que ela pode proporcionar.
"A universidade não chega até nós. Ela não é atrativa. O que é atrativo para um jovem é aquilo que é concreto. Você vê seu pai levantar cedo e trabalhar todo dia e percebe que aquilo é suficiente. Você não tem por que criar áreas diferentes. Só a escola não dá conta de ampliar esse horizonte do jovem. Só nós professores, por mais que nos mobilizemos, não damos conta. Eles dizem que 'estão abertos', mas eles só 'estão ali'", encerra o docente.
*Sob supervisão de Fernanda Circhia, editora
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