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Cronista e escritor

A curta vida de Lima Barreto e a atualidade da exclusão social

Débora Mantovani - Estagiária*
12 mai 2021 às 17:35

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- Wikimedia Commons
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"Ele não falava sobre a zona de exclusão. Ele falava a partir dela”. Assim o jornalista e professor na UEL (Universidade Estadual de Londrina) Gutemberg Medeiros expressa a excepcionalidade da contribuição do escritor Lima Barreto para a literatura e o jornalismo brasileiros. O dia 13 de maio de 2021 marca os 140 anos do nascimento de Afonso Henriques de Lima Barreto, que se dedicou a revelar diversos problemas sociais de sua época, muitos dos quais permanecem na atualidade.


"Ele foi um grande cronista e escritor, tanto na literatura quanto no jornalismo. Uma das maiores contribuições dele foi abordar a zona de exclusão brasileira, a que ele chamava dos ‘pobres quase pretos, quase brancos’, que formam a grande base desse país”, comenta o professor, que estudou a obra de Lima Barreto em seu doutorado. "Ele viveu num bairro chamado Todos os Santos, na alta periferia carioca, que ficava nas margens da linha férrea Central do Brasil”, conta Medeiros. "Ele escrevia de lá e publicava em jornais e revistas cariocas, diagnosticando e descrevendo, nos seus mais diversos âmbitos, a questão da exclusão social brasileira, especialmente a questão do racismo estrutural, o que é uma contribuição muito importante e atual”, pontua.

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Escrita a partir da zona de exclusão - Nascido em 13 de maio de 1881, Lima Barreto era neto de uma mulher escravizada. Filho de um tipógrafo e uma professora, Lima perdeu a mãe ainda na infância, época em que também presenciou a Abolição da Escravatura, o fim do Império e a Revolta da Armada. Aos 21 anos, passou a ter de sustentar a família toda. "O pai dele foi um gráfico da imprensa nacional, inclusive escreveu o primeiro manual sobre arte gráfica no Brasil. Mas ele teve vários problemas, e era alcóolatra, e foi aposentado por invalidez. E, jovem, Lima se tornou arrimo de família”, descreve o professor.

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"Ele trabalhou como escriturário por alguns anos no Ministério da Guerra, que era o Ministério que congregava a Marinha, Aeronáutica e o Exército. Por isso, nesse período, se ele publicasse o que queria, ele seria exonerado”, conta Medeiros. "Mas alguns anos depois, ele também acaba sendo aposentado por invalidez, também por conta de alcoolismo, e foi então que ele mergulhou de vez na imprensa”, completa.

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O "bota-abaixo” e o metajornalismo - Ao dedicar-se mais detidamente à imprensa, Lima Barreto escreveu tanto para veículos aclamados no Rio de Janeiro de sua época, como a Gazeta de Notícias e o Correio da Manhã, como para revistas e jornais operários. "Nessa segunda parte da curta vida dele, ele produz febrilmente, estava sempre escrevendo. E essa produção, tanto literária quanto jornalística, é documentação primária para a historiografia. E ele tem uma atualidade muito grande, por provocar o leitor com essas questões sociais”, comenta Medeiros. "Há também muitos textos dele que foram assinados com pseudônimos”, diz.


Conforme o professor, Lima Barreto publicou séries de reportagens sobre a queda do Morro do Castelo, que foi uma consequência do ‘bota-abaixo’. Esse era o apelido dado pela imprensa à reformulação do centro do Rio de Janeiro nas primeiras décadas da República, que resultou na destruição das moradias de cerca de um terço da população da cidade. "A República brasileira foi criada sobre bases extremamente racistas e classistas”, contextualiza o professor. "O centro do Rio de Janeiro, onde hoje é a Cinelândia, a Biblioteca Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes, o Teatro Municipal, naqueles quarteirões concentrava-se um terço da população da cidade. Ali tinhas cortiços e pequenas oficinas e fábricas onde essa população trabalhava”, explica.

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O professor descreve que, ao longo do século XIX, havia a pretensão de transformar o Rio de Janeiro numa cidade moderna, seguindo os moldes de Paris, com grandes avenidas, com palácios luxuosos, tanto privados quanto públicos. "Esse centro da cidade foi simplesmente colocado abaixo, foi demolido. A população foi expulsa dali pela polícia e foi morar nos morros ou na alta periferia, pois eram regiões em que não havia especulação imobiliária, era ‘terra de ninguém’. Nesses lugares, essa população constrói barracos ou casas de alvenaria bem humildes”, explica. "É para essa gente que Lima Barreto fala”, demonstra.


"Isso fica muito claro no romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha”. Publicado em 1909, o livro narra a história de um jovem negro do interior que se muda para o Rio de Janeiro para trabalhar na imprensa. "Ele descreve os rumos que a imprensa estava tomando naquela época, e como a imprensa também era marcada pela exclusão social”, conta Medeiros. "A imprensa retratou positivamente o ‘bota-abaixo’, e foi cúmplice ativa desse projeto de marginalização e exclusão social”, explica o professor. A crítica sobre atitudes da imprensa de sua época, bem como o convite para que o leitor compartilhe dessas reflexões, compõem o que se caracteriza como metajornalismo, por promover uma reflexão crítica aos meios de comunicação que parte de jornalistas e escritores. Lima Barreto chegou a ter a própria revista, intitulada Floreal, na qual ironizava os grandes órgãos da imprensa da época.

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Lima e o Modernismo – O ano de 1922, mesmo do falecimento de Lima Barreto, em novembro, foi marcado pela Semana de Arte Moderna, em São Paulo, no mês de fevereiro. O autor conheceu o movimento, mas não se impressionou com as produções vanguardistas. "A primeira geração dos escritores modernistas de 1922, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, consideravam João do Rio e Lima Barreto tão modernos quanto eles”, afirma Medeiros.


O jornalista e escritor João do Rio já havia falecido quando ocorreu a Semana de 1922, porém Lima Barreto chegou a ser chamado para contribuir com a publicação Klaxon, revista modernista criada pelo Grupo dos Cinco (os escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, e as pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral). "Eles pedem para o jovem Sérgio Buarque de Holanda, que, mais tarde, viria a se tornar um dos maiores historiadores brasileiros, para que fosse ao Rio de Janeiro pedir a Lima Barreto que escrevesse um texto para a Klaxon. Sérgio Buarque escreve que, nessa ocasião, o encontrou, mas Lima não aceitou, pois achava medíocres aqueles escritores de 1922”, conta o professor.

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Sérgio Buarque de Holanda escreve, segundo Medeiros, que encontrou Lima Barreto de manhã numa livraria da Rua do Ouvidor, na qual o escritor tinha o costume de dormir quando passava noites de boemia. Além do alcoolismo, o escritor passou por internações psiquiátricas, às quais chega a aludir em suas obras e mencionar em seus diários. Ele falece em primeiro de novembro de 1922, de um colapso cardíaco resultado da saúde debilitada.


O enorme arquivo guardado – Medeiros conta que a obra do autor acabou sendo praticamente esquecida até a década de 1950. "Ele vai ser mais lembrado a partir da biografia escrita pelo jornalista Francisco de Assis Barbosa, na década de 50, e que reuniu também trabalhos inéditos de Lima Barreto”, revela. O biógrafo visitou a casa em que Lima Barreto vivera, na qual a irmã ainda morava, e perguntou se ela tinha guardado algum papel do irmão. "Ela o convidou para entrar na casa até o quarto de Lima, que ela tinha deixado intocado desde a morte dele. E ele encontrou um acervo enorme de obras inéditas originais que não tinham sido publicadas, hemeroteca com os textos dele publicados em jornais e revistas, que ele guardara, cartas, correspondência, tudo organizado num acervo riquíssimo”, descreve o professor.


O pesquisador, então, procurou a Biblioteca Nacional para que comprassem o acervo da irmã de Lima. A partir do sucesso da biografia, a obra de Lima Barreto pôde ser relembrada até os dias atuais. "Na época, os trabalhos encontrados pelo biógrafo foram reunidos e publicados em 17 volumes. Foi um grande acontecimento”, afirma Medeiros. "Os contos e romances são publicados até hoje, mas muitas dessas crônicas só encontramos em sebos”, diz.

*Sob supervisão de Fernanda Circhia.


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