Cerca de um quarto da população brasileira fez uso de algum medicamento para tratar precocemente ou prevenir a Covid-19, de acordo com uma pesquisa do Datafolha que buscou identificar o comportamento das pessoas durante a pandemia do coronavírus Sars-CoV-2.
Uma parcela de 23% de todos os entrevistados afirmou ter feito uso precoce ou preventivo de algum medicamento para lidar com a doença. Foram realizadas 2.071 entrevistas presenciais pelo Datafolha em 146 municípios entre os dias 11 e 12 de maio de 2021. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Dos participantes da pesquisa, 12% disseram ter tomado algum medicamento por conta própria, e outros 11% afirmaram ter adquirido o remédio com receita médica.
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O uso inadequado de qualquer medicamento, sem o acompanhamento médico, traz riscos e pode piorar a saúde. Médicos e pacientes têm relatado efeitos colaterais graves de remédios sem eficácia contra a Covid-19.
Enquanto 6% dos participantes da pesquisa disseram ter tomado algum remédio porque estavam com a doença, e outros 5% fizeram uso de algum tratamento por estarem com suspeita de Covid-19, 12% dos entrevistados afirmaram ter tomado algum medicamento para prevenir a infecção pelo vírus.
Nenhum medicamento comercializado no mundo tem a indicação específica para ser usado no início da doença ou para prevenção. Qualquer tratamento divulgado para este fim é, até o momento, considerado ineficaz pela comunidade científica e médica internacional –somente as vacinas já aprovadas para uso são capazes de evitar a Covid-19.
Em alguns casos, os médicos podem receitar remédios que não combatem o Sars-CoV-2, mas aliviam sintomas mais leves da doença, como dor e febre. Assim como acontece com a gripe e outras doenças causadas por vírus, a eliminação do patógeno ocorre por ação natural do sistema imunológico.
Mais de uma centena de estudos foram realizados e outros ainda estão em andamento procurando desenvolver ou até mesmo reorientar o uso de algum medicamento já conhecido para combater a Covid-19. As pesquisas concluídas apontam que o uso de alguns remédios, como os corticoides e anticoagulantes, podem ser benéficos em casos mais graves, mas não fazem diferença em casos iniciais e mais leves.
Ainda assim, muitos medicamentos são falsamente propagandeados como cura para a doença, sem amparo na pesquisa feita por cientistas e médicos das instituições de maior prestígio no mundo.
Um documento recente do Ministério da Saúde escrito para servir de diretriz no tratamento da Covid-19, elaborado após revisão de estudos, também não recomenda o uso de medicamentos como a hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina e ivermectina, entre outros, em casos da doença.
Divulgado como solução para a pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e muitos de seus apoiadores mais influentes, o chamado tratamento precoce, que inclui geralmente cloroquina, azitromicina e ivermectina, não tem qualquer efeito, de acordo com as autoridades de saúde mais respeitadas no mundo, os países que combateram com sucesso o vírus e a comunidade científica.
Mas por que tanta gente tomou os remédios e teve bons resultados?
As estimativas das taxas de letalidade da doença variam de acordo com a localização geográfica, mas em geral apontam que a doença mata parcelas que vão de menos de 1% a aproximadamente 5% de todas as pessoas que se infectam com o vírus.
Assim, de todos os infectados, um número pequeno vai morrer em decorrência de complicações causadas pelo Sars-CoV-2.
Para a grande parte dos casos, tomar água ou tomar cloroquina têm o mesmo efeito: nulo. São pessoas que teriam sintomas leves ou moderados e ficariam bem dentro de alguns dias mesmo se não tivessem tomado nenhuma providência.
É por isso que estudos científicos são feitos comparando dois grupos semelhantes, um que toma a substância estudada e outro que não a toma, para que possam ser comparados os desfechos. Nem o paciente nem o médico sabe quem está tomando o medicamento estudado e quem está tomando placebo (substância sem nenhum efeito). É o chamado estudo randomizado e duplo-cego.
O presidente parece ter sido um bom garoto propaganda do tratamento precoce. Dentre os entrevistados que declaram voto em Bolsonaro na eleiçao presidencial de 2022, 37% disseram ter usado algum medicamento com esse objetivo –taxa maior do que entre a população geral (23%). Dos que dizem confiar sempre em Bolsonaro, 38% fizeram uso dos remédios.
As redes bolsonaristas propagaram fortemente o uso dos remédios como cura da Covid-19, utilizando como embasamento evidências frágeis publicadas em sites obscuros. Em novembro de 2020, quando a ineficácia da cloroquina contra a doença já estava comprovada, noticias falsas sobre o remédio ainda circulavam com frequência no Brasil.
Do lado oposto estão os eleitores que declaram voto em João Doria (PSDB) em 2022. Dos entrevistados deste grupo, somente 4% afirmaram ter recorrido a algum remédio. Doria tem batido de frente com as posições sem respaldo científico de Bolsonaro, e se tornou um de seus maiores opositores durante a pandemia, apesar do apoio que concedeu ao atual presidente nas eleições de 2018.
Enquanto Bolsonaro atrasava a compra de vacinas contra a Covid-19, espalhava desconfiança com relação aos imunizantes e divulgava os remédios sem efeito contra o vírus, Doria usou a máquina do governo de São Paulo para adiantar a produção da Coronavac, atualmente a vacina mais utilizada dentro do Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde.
As pessoas mais ricas e com maior escolaridade embarcaram no tratamento precoce –30% dos que têm renda mensal maior do que dez salários mínimos e 25% das pessoas com ensino superior afirmaram ter usado algum remédio.
Entre os mais pobres, os que têm renda familiar menor do que dois salários mínimos, 21% fizeram algum tratamento precoce ou prevenção. Considerando a escolaridade, o grupo que menos fez uso dos medicamentos foi o de pessoas com o ensino fundamental (22%).
O Centro-Oeste e o Norte são as regiões que mais fizeram uso dos tratamentos –39% disseram ter usado algum remédio. Em seguida, estão o Nordeste (25%), Sul (22%) e Sudeste (17%). Estados do Norte, vale lembrar, enfrentaram uma das piores crises com a Covid-19 no Brasil em janeiro de 2021, quando chegou a faltar oxigênio para o tratamento dos doentes em estado crítico no Amazonas.
A adesão foi mais alta entre os evangélicos (26%) e católicos (24%), empatados no limite da margem de erro. Já entre os espíritas, 12% afirmam ter feito uso de algum remédio para tratar ou prevenir a doença.