A decisão do governo de mandar as plataformas de streaming suspenderem a exibição do filme "Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola" é ilegal e abre um precedente perigoso, dizem advogados consultados pela reportagem.
A comédia com Fábio Porchat está no alvo de uma polêmica nos últimos dias, após ser acusada de pedofilia pelo secretário especial da Cultura, Mário Frias, e outros bolsonaristas. Eles se basearam numa cena na qual o personagem de Porchat pede para dois meninos que o masturbem.
"É o fim do mundo o ministro da Justiça [Anderson Torres] editar este ato. Isso é barbárie. É um expediente típico da ditadura contra o qual a Constituição de 1988 foi escrita. Se isso for levado ao Judiciário, não dura segundos", afirma Daniel Sarmento, professor de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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Segundo Sarmento, dada a inconstitucionalidade da decisão desta terça (15), tomada pelo Ministério da Justiça e publicada no Diário Oficial, nada vai acontecer com as plataformas de streaming caso elas não cumpram a ordem do governo. A Globo já avisou que não removerá a obra do Telecine nem do Globoplay. A Netflix não se manifestou.
O professor diz que a Carta proíbe a censura em diversos trechos, chegando a ser redundante, e que o Supremo Tribunal Federal também tem decisões proibindo a censura, especialmente quando vinda da administração.
Alguma controvérsia poderia existir no caso de uma decisão judicial proibir a exibição de um produto audiovisual em nome da proteção de direitos de crianças e adolescentes, ele acrescenta, mas mesmo assim o banimento poderia cair se contestado.
O filme segue as normas do próprio Ministério da Justiça, que deu à obra a classificação indicativa de 14 anos em 2017. "Caçar essa decisão agora pode criar um precedente muito perigoso", diz Aline Akemi, sócia do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados e autora do livro "Direito à Cultura e Terceiro Setor".
Akemi lembra que a remoção de posts em redes sociais, por exemplo, só se dá com decisão judicial, e diz que o governo poderia rever a classificação indicativa do filme, se for o caso.
Ainda de acordo com ela, a classificação indicativa é um mecanismo importante do regime democrático para evitar a censura. "Por meio dela é possível que os responsáveis tenham conhecimento antecipado do conteúdo da obra para decidir se é adequado ou não ao consumo das crianças e adolescentes que estejam sob seu cuidado."