A população afetada por enchentes e deslizamentos de terra no Brasil pode dobrar ou até triplicar nas próximas décadas, em um cenário de aquecimento global de 1,5ºC -atualmente, o planeta já aqueceu 1,1ºC em relação aos níveis pré-industriais.
A conclusão está entre os destaques regionais do novo relatório do painel do clima da ONU, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima). Lançado nesta segunda-feira (28) por 270 autores, o trabalho atualiza o conhecimento sobre os impactos socioeconômicos da mudança climática, a partir da revisão de 34 mil artigos.
A elevação da temperatura já aumenta a frequência e a intensidade das chuvas fortes e inundações, com rápida formação de nuvens mais densas. Mas as projeções climáticas apontam expansão das áreas atingidas.
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Se as emissões globais de gases estufa continuarem em alta, haverá maior risco de inundações mais frequentes e extremas nos estados do Acre, Rondônia, sul do Amazonas e Pará. No delta amazônico, entre o Pará e o Amapá, 41% da população está exposta a danos por inundações.
O país também está entre os mais vulneráveis às ondas de calor extremo, com regiões do país podendo chegar a aumentos de 2ºC a 6ºC na temperatura média.
A soma de calor e umidade cria condições perigosas e pode ser mortal, principalmente para jovens e idosos.
Ondas de calor, com duração mínima de dois dias, duraram três dias a mais no Brasil entre 2016 e 2020, em comparação com o período de 1986 a 2005.
"Uma temperatura do bulbo úmido [medida que combina calor e umidade] de 35°C é insuportável por mais de cerca de seis horas, mesmo para adultos em forma e saudáveis que descansam à sombra", diz o estudo.
Caso as emissões continuem em alta, partes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil ficarão sujeitas a essas condições de calor perigoso por até 30 dias por ano. Nesse cenário, as mortes por calor no Brasil aumentarão 3% até 2050 e 8% até 2090.
As ilhas de calor urbano também devem expor moradores de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
A combinação do aumento do calor e da umidade também torna o clima mais propício a doenças infecciosas como dengue, zika, chikungunya e malária.
Em algumas regiões do país, o potencial de transmissão de dengue aumentou de 17% na década de 1950
para 80% nos últimos cinco anos, um efeito hoje atribuído pela ciência às mudanças climáticas.
As inundações também aumentam a ocorrência de doenças diarreicas, leptospirose e dermatites. O clima mais quente facilita ainda o aparecimento de zoonoses transmitidas por vírus. Em todo o país, há risco de epidemias severas causadas por vetores sensíveis ao clima.
Com as mudanças na temperatura, os cientistas já têm observado a expansão de doenças para áreas que antes não eram atingidas. As projeções sobre a malária confirmam que o fator climático influencia o alcance geográfico, a intensidade de transmissão e a sazonalidade da doença.
"As mudanças no padrão de risco se tornam mais complexas com a elevação da temperatura", diz o relatório.
Apesar do aumento das chuvas fortes, a precipitação média anual no país deve cair 22% ao longo do século, segundo as projeções do painel do clima, caso as emissões globais de gases estufa continuem em alta, ou seja, as chuvas caem mais concentradas e em períodos menos regulares.
Enquanto isso, as secas devem se prolongar, afetando as regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A mudança no padrão hidrológico põe todo o país sob risco de insegurança alimentar.
Na Amazônia, a mudança da floresta tropical para pastagens secas pode reduzir 40% das chuvas, quebrando a distribuição de chuvas para o Sul e Sudeste.
No Nordeste brasileiro, as secas com pelo menos um mês de duração atingiram uma área 64,5% maior na última década em comparação com a década de 1950. As áreas com secas superiores a três meses também expandiram em 38% e aquelas atingidas por mais de seis meses aumentaram 12% no mesmo período.
A região Nordeste está entre as mais sensíveis do continente a migrações forçadas pelo clima. No mundo, secas, inundações, tempestades e furacões estão entre as causas climáticas mais comuns de deslocamentos.
O impacto desses eventos extremos é ainda maior sobre mulheres. Segundo o relatório, nas situações de crise geradas por desastres climáticos, elas perdem trabalho e se voltam para a economia informal com mais frequência que os homens.
Os extremos climáticos também afetam desproporcionalmente a população em pobreza e extrema pobreza, crianças, idosos, pessoas com deficiência e populações indígenas, que já têm sofrido impactos climáticos como escassez de água, redução da produção agrícola e deslocamentos.
"Em deslocamentos e migrações forçadas por efeitos climáticos, as mulheres são mais propensas a perder sua liderança, autonomia e voz, especialmente em novas estruturas organizacionais impostas por autoridades. É o caso, especialmente, de acampamentos temporários criados após desastres, que aumentam as desigualdades existentes", afirma o relatório no capítulo voltado à região das Américas do Sul e Central.
Apesar dos impactos catastróficos já serem observados atualmente, há medidas de adaptação às mudanças climáticas que podem frear a tendência de aumento dos impactos climáticos.
O painel do clima cita exemplos de políticas de adaptação que apresentaram efetividade.
Entre as ações tomadas pelo poder público, o relatório cita a criação de espaços verdes em áreas urbanas, realocação de famílias localizadas em áreas propensas a desastres, restauração e melhora do acesso à água potável.
"A construção de infraestrutura verde-cinza tem sido uma medida popular de adaptação pública para reduzir mortes e lesões devido a inundações. A infraestrutura foi melhorada em escolas, prédios públicos e sistemas de drenagem em cidades como Bogotá (Colômbia) e La Paz, na Bolívia. No Brasil, foram implantadas obras de canalização para reduzir as inundações do Rio Tietê, que atravessa a região metropolitana de São Paulo; com base em simulações de inundação", exemplifica o estudo.
"Outro exemplo de medida pública de adaptação é a proteção e restauração de áreas naturais, que tem potencial para diminuir a transmissão de doenças infecciosas transmitidas pela água e por vetores", afirma o painel do clima.