"Navegar é preciso", título de um dos poemas mais conhecidos de Fernando Pessoa, virou lema entre adeptos do turismo marítimo, que foi suspenso desde o dia 19 de março de 2020 no Brasil e será autorizado para ser retomado a partir deste dia 1º de novembro, quase 20 meses depois.
Apesar da liberação já a partir desta segunda-feira (1º), a temporada de cruzeiros só começará no dia 5 de novembro, próxima sexta-feira, com a saída do MSC Preziosa de Santos (litoral de SP).
Num misto de ansiedade por tamanha espera, alívio por saber que as viagens estão autorizadas e resignação pelas novas exigências de protocolos sanitários, esses turistas já fazem planos para voltar a fazer o que mais gostam.
"Já tenho quatro cruzeiros pagos. Eu gosto muito pela praticidade, segurança, conforto, diversão", afirma a advogada e corretora de imóveis Edilma Cezar Silveira, 66.
Silveira, que também é conciliadora na Justiça Federal, lembra já ter feito 45 cruzeiros marítimos desde 1982, quando começou a viajar. "Sou uma cruzeirista", declara, com orgulho.
Sua última viagem de navio foi em dezembro de 2019. A próxima está programada para o dia 15 de janeiro, pela costa brasileira.
"Eu não aguento mais ficar parada. Não vejo a hora", comenta a aposentada Maria Delfina Rodrigues, 61.
Maria Delfina tem uma viagem programada para março de 2022 saindo do porto de Santos rumo à Espanha, porém, ainda não tem a certeza se de fato será realizada.
O motivo é que até agora, apenas cruzeiros marítimos em águas de jurisdição brasileira podem ser feitos. Ou seja, diferentemente de outros anos, destinos saindo do Brasil e indo para países vizinhos como Argentina e Uruguai, e retornando ao país, não estão autorizados. Isso pode mudar, mas depende de autorização do governo brasileiro.
"Muitos clientes procuraram justamente devido a esses destinos [países vizinhos], mas acabaram desistindo de fechar a viagem ao saber que não teria", pontuou o agente de viagens José Alex Fernandes Nascimento, 47, da Alex Cruzeiros e Viagens.
A restrição para visitar os "hermanos"-mudanças não estão descartadas - não desanimou a aposentada Alair Artur Afonso, 72. "Já viajei bastante de navio para outros países e já conheci Argentina, Uruguai, Paraguai, Itália, ilhas gregas. Desta vez vou para o nordeste brasileiro. Vai ser interessante também", defende.
Em portaria publicada na última quinta-feira (28), o Ministério da Saúde informa as condições para o cumprimento do isolamento e quarentena das embarcações de cruzeiros para viajantes e funcionários dos navios. Segundo protocolos divulgados na sexta-feira (29) pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), até 10% de todos os ocupantes do navio terão de ser testados diariamente (leia mais abaixo).
Com a experiência de quem já realizou várias viagens de navio, o empresário carioca Alcebíades Alves Lobato Neto, 51, aponta não estar preocupado, já que o asseio é uma das principais preocupações das empresas responsáveis pelos navios. "Muito antes de se falar em usar álcool em gel esse já era um item que os navios dispunham, além da grande preocupação com a limpeza".
Ele tem duas viagens programadas para o Natal e Carnaval a bordo de navios.
Segundo o empresário Rodrigo Pastore, 26, diretor da Pastore Turismo, especializada em realizar viagens para grupos da terceira idade, a procura pelos cruzeiros é grande, embora muitos ainda não tenham decidido se vão ou não de fato viajar.
Um dos motivos é o receio de casos de coronavírus a bordo, repetindo situações tais como as vividas no início de 2020, quando vários cruzeiros ao redor do mundo tiveram surtos de Covid-19 e as embarcações ficaram isoladas.
"Algumas pessoas mencionam a Covid-19 e isso acaba influenciando as pessoas", frisouPastore.
Segundo a supervisora da unidade Paulista da agência de viagens Agaxtur, Andressa Rodrigues Tardioli, 33, o público de navios é muito fiel e muitos já adquiriram as viagens ainda entre maio e junho deste ano, quando ainda nem se sabia ao certo se os cruzeiros marítimos seriam ou não retomados. "Foi 'meio que no escuro', até achando que não teria. Mas as coisas começaram a caminhar e como o pessoal gosta, já se antecipou mesmo assim".
A empresária Irene dos Santos Bezerra, 49, foi uma das pessoas que se antecipou. Ela não esperou a retomada dos cruzeiros marítimos no Brasil para voltar a fazer o que gosta. Junto com o marido, está num cruzeiro pelo rio Nilo, na África, rumo ao Egito.
As viagens marítimas já foram retomadas em ao menos 50 países ao redor do mundo.
Irene conta que apenas precisou fazer um teste para poder embarcar. Porém, dentro do navio, não há sequer a exigência do uso de máscaras. A situação é muito diferente do que enfrentará no final de novembro, em uma outra viagem que fará na costa brasileira.
"No Brasil eu tive que já enviar os comprovantes de vacinação para poder emitir o voucher da viagem", diz.
Viajante deve informar sinais Segundo ficou definido na portaria publicada pelo Ministério da Saúde na última quinta-feira (28), viajantes a bordo de embarcação com sinais e sintomas de Covid-19 devem procurar imediatamente a equipe médica, permanecer isolado de outros viajantes até a orientação médica e fazer o teste de Covid-19.
O texto informa que todas as embarcações devem ter cabines para que o isolamento de suspeitos seja feito. Aém disso, percisam dispor de equipes médicas para atendimento dessas situações. Mesmo aqueles com teste negativo devem, obrigatoriamente, permanecer em isolamento, segundo o decreto.
Pelo enunciado do decreto, caso necessário e dependendo da gravidade da pessoa contaminada pela Covid-19, as embarcações devem ter suporte necessário para transporte imediato para um serviço especializado.
Dependendo da quantidade de pessoas infectadas, todo o navio deverá ficar em quarentena. O penúltimo artigo inclusive informa que a autorização para as viagens marítimas pode ser revista e até cancelada dependendo das condições epidemiológicas.
Segundo regras divulgadas pela Anvisa na sexta-feira (29), a lotação máxima das embarcações será de 75% da capacidade total do navio. Será obrigatória a testagem de 10% dos passageiros a bordo e de 10% da tripulação. Vale lembrar que toda a tripulação deve ser testada uma vez por semana.
Na apresentação das regras sanitárias, os diretores da Anvisa reforçaram mais de uma vez que mulheres grávidas, idosos ou pessoas com condições crônicas de saúde ou imunocomprometidas, devem avaliar com cautela a decisão de embarcarem na viagem de cruzeiro.
Segundo dados do setor, 12,8% dos turistas que viajaram na última temporada têm 65 anos ou mais.
Número de navios cai, mas capacidade aumenta A temporada de 2021/2022 terá uma quantidade menor de navios em relação a 2019/2020. Em vez de oito, neste ano serão cinco. Ainda assim, as embarcações serão maiores. Duas delas são novidade por aqui.
A MSC trará pela primeira vez o MSC Seaside, além do MSC Preziosa e MSC Splendida. A Costa Cruzeiros irá operar com dois, o Costa Fascinosa e o Costa Smeralda, que promete ser o destaque deste ano, já que a embarcação tem capacidade para receber 6.300 hóspedes, a maior que já aportou no Brasil até agora.
Segundo a Clia Brasil (associação das empresas de cruzeiro), juntas, essss embarcações irão oferecer cerca de 386 mil leitos, com 107 roteiros e 392 escalas em destinos nacionais como Rio de Janeiro, Santos, Salvador, Angra dos Reis, Balneário Camboriú, Búzios, Cabo Frio, Fortaleza, Ilha Grande, Ilhabela, Ilhéus, Itajaí, Maceió, Porto Belo e Ubatuba.
Apesar da restrição de viagens marítimas partindo do Brasil a países vizinhos, a Clia Brasil estima que a temporada 2021/2022 de cruzeiros, a primeira desde o início da pandemia, gere um impacto de R$ 2,5 bilhões na economia nacional, 11,6% acima dos R$ 2,24 bilhões da última temporada, a 2019/2020.
Pelas estimativas da associação, 35 mil empregos devem ser criados, 1.255 (3,7%) a mais do que os 33.745 gerados na última temporada realizada.
A estimativa é que cerca de 450 mil brasileiros devam realizar viagens de navio neste ano.
A maior parte deles sairá de Santos, no litoral paulista, mais precisamente do Concais S/A, o terminal marítimo de passageiros do Porto de Santos, o maior da América Latina.
Segundo explica Sueli Martinez, diretora de operação da Concais S/A, está prevista a saída de 237 mil passageiros, um pouco a menos do que a temporada 2019/2020, que registrou 258 mil passageiros. Apesar da pequena diferença, o número vai na contramão do crescimento registrado nos últimos anos.
"Para uma retomada, não estamos reclamando É que estávamos vindo de um período de crescimento de 6% a 7% ao ano", defende.
Uma das coisas que impactou o setor negativamente foi a proibição dos navios trazerem passageiros de fora. Em geral, no início da temporada de navios, muitos turistas embarcam na Europa, de onde os navios partem, rumo ao Brasil.
Devido à pandemia do novo coronavírus, apenas os tripulantes e equipes de apoio -de entretenimento e serviços- já virão embarcados. Em geral, 80% dos passageiros desses navios são brasileiros que estão em viagem pela Europa e compram passagens para retornar ao país.
Tripulante se sente mais seguro no navio do que fora dele
O mineiro Daniel Dornas, 41, supervisor de entretenimento da Royal Caribbean, uma das maiores empresas do setor no mundo, coloca que se sente mais seguro a bordo do que fora do navio.
Atualmente ele atua no Allure of the Seas, que realiza o trajeto Orlando-Caribe. A embarcação foi eleita pelo segundo ano consecutivo pelos leitores da revista "Travel Weekly" como o melhor navio da atualidade.
Com capacidade para receber até 6.296 hóspedes e 2.384 tripulantes, a embarcação está operando com um terço de seu limite devido aos protocolos sanitários.
Segundo Dornas, a preparação começou há três meses. O embarque só foi feito após vacinação de todos e treinamento que começou antes mesmo de eles subirem a bordo, de forma remota, para aprender todo o protocolo que deveria ser seguido.
"É mais seguro aqui do que fora. Aqui eu sei que todos estão vacinados", pontuou.
Ele conta que uma das principais preocupações é quanto ao ar-condicionado. "Fizeram acréscimo de filtros, mudança na circulação, já que agora ao entra e sai e também implantação de luzes ultravioletas", aponta.
Além disso, ele conta que as medidas de higienização, que já eram rigorosas, foram redobradas. "Qualquer área tocável no navio recebe nebulização de produtos para combater o vírus".
Apesar do uso de máscaras estar liberado nos EUA, dentro dos navios ela é obrigatória, bem como o distanciamento entre as pessoas.