A economista nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, 66, tornou-se nesta segunda (15) a primeira mulher, a primeira africana e a primeira pessoa negra a dirigir a OMC (Organização Mundial do Comércio), fundada em 1995 para impulsionar o livre comércio.
Ela assume uma instituição com 164 membros, 650 funcionários, orçamento anual de US$ 220 milhões (R$ 1,8 bi) e muitos desafios. Pressões vindas de fora, como os violentos protestos que sufocaram a Rodada do Milênio em 1999 em Seattle, arrefeceram, mas cresceram críticas internas e a necessidade de reformar suas regras para ser capaz de lidar com fenômenos que não existiam quando foi criada.
Espera-se que uma de suas primeiras conquistas seja destravar o funcionamento do principal órgão para resolver disputas comerciais na OMC, chamado de órgão de apelação. O tribunal está bloqueado há meses pela administração do ex-presidente americano Donald Trump, que impediu a nomeação de novos juízes. Espera-se que ele recobre o fôlego na gestão de Joe Biden.
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Além de questões estruturais, uma disputa conjuntural deve ser um dos grandes testes para a propalada capacidade de negociação política da nova diretora: a decisão sobre se os Estados Unidos violaram as regras da OMC quando aumentaram unilateralmente as tarifas sobre aço e alumínio em 2018, invocando uma cláusula de segurança nacional.
Uma decisão a favor dos EUA avalizaria medidas unilaterais de outros membros, minando o projeto multilateral da OMC. Mas o veredito contrário atiça o vespeiro americano, que, em gestões passadas, acusou a entidade de intervenção indevida em sua soberania.
Veja aqui quais as principais tarefas que estarão à espera da economista nigeriana, segundo especialistas em comércio internacional.
A questão chinesa A capacidade de conter benefícios estatais a empresas chinesas que distorcem a concorrência no mercado global é o problema de maior impacto para a OMC, tanto do ponto de vista político quanto econômico.
Desde que aderiu à organização, 1999, o país asiático se beneficiou do arcabouço de livre comércio e se transformou na maior exportadora do mundo, mas manteve um modelo próprio de participação estatal na economia e não cumpriu as regras de transparência sobre subsídios industriais.
O livro de regras da OMC é considerado inadequado também para lidar com questões de propriedade industrial: empresas estrangeiras são forçadas a abrir mão de tecnologia sensível e know-how para investir na China ou entrar no mercado chinês.
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Tratamento preferencial Num debate que também envolve a China, grandes economias discutem as concessões do sistema da OMC chamado de nação mais favorecida. Pela regra, cada membro deve aplicar a mesma tabela de tarifas a todos os outros membros, mas países menos desenvolvidos podem elevar suas tarifas, numa espécie de "tratamento café com leite".
A OMC porém permite que os membros se autodesignem como "países em desenvolvimento", e dessa lista fazem parte até hoje a Índia e a China (quinta e segunda maiores economias do mundo) - o que é uma das principais críticas americanas. No caso chinês, uma saída seria negociar que o governo chinês abra mão do status prefencial em troca de ter sua economia considerada como "de mercado" nas investigações sobre prática de dumping.
O Brasil, que faz parte dos países em desenvolvimento, tem renunciado ao tratamento especial desde 2003.
Subsídios agrícolas
O acordo sobre agricultura da OMC, de 1995, visa conter subsídios e barreiras comerciais protecionistas, mas inclui concessões para evitar insegurança alimentar em países onde há risco alto de fome generalizada, como a Índia. Analistas consideram praticamente impossível que os indianos aceitem uma mudança nessa área.
Comércio eletrônico Os membros da OMC estabeleceram uma moratória do comércio eletrônico em 1998, para poderem examinar seu impacto sobre as regras da entidade. Essa suspensão vem sendo questionada por países em desenvolvimento, porque afetam a arrecadação.
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Mudanças climáticas e ambiente Regras de comércio global são vistas como instrumentos para atingir os objetivos do Acordo de Paris, contra as mudanças climáticas, e os de desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU. Entre as medidas de impacto está uma reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis.
Também se arrastam há 20 anos discussões para reduzir subsídios prejudiciais concedidos à indústria pesqueira, que levam à sobrepesca e ao risco de extinção de espécies marítimas.
Acordo comerciais Desde 1993 a OMC não fecha um grande acordo comercial multilateral para reduzir tarifas ou outras barreiras comerciais. O último grande compromisso envolvendo todos os seus membros foi o Acordo de Facilitação do Comércio de 2013, com concessões nos compromissos assumidos pelos países em desenvolvimento.
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Protecionismo
Se o retrato do passado não é bom em relação a acordos multilaterais, o futuro também não parece promissor.
A ameaça do coronavírus levou muitos governos a reerguer barreiras protecionistas, impedindo exportações de produtos médicos, por exemplo. Há um temor de que tarifas sejam usadas para proteger empresas nacionais na recuperação da crise pós-pandemia.
Durante o processo de seleção, Okonjo-Iweala disse que suas primeiras prioridades seriam garantir o fluxo livre de vacinas, medicamentos e suprimentos médicos para ajudar a lidar com a pandemia e ajudar na recuperação econômica global.
Esse novo nacionalismo econômico inclui também passar a produzir mais bens no próprio país, para se tornar menos dependente das cadeias globais de abastecimento