Na eclosão dos protestos antirracismo nos EUA, a ativista Trinice McNally estreou uma atividade em sua militância: organizar a entrega de máscaras aos manifestantes. A educadora tem participado dos atos do distrito de Columbia por meio do Movimento por Vidas Negras.
Na pandemia, as máscaras que invadiram o cotidiano da população estão também em manifestações políticas, onde viraram uma espécie de cartaz para palavras de ordem.
A morte de George Floyd foi o estopim para dias seguidos de protestos pelo mundo. No dia 12 de junho, em Atlanta, a morte de outro negro pela polícia gerou novos protestos.
As máscaras distribuídas por McNally estampavam duas mensagens: "Stop killing black people" (parem de matar a população negra) e "defund the police" – descapitalize a polícia, movimento que questiona a verba destinada às forças de segurança dos EUA.
A ativista diz que identifica aqueles que estão desprotegidos, oferece o acessório e ainda engaja-os na causa. "Não encontrei ninguém que não tenha agradecido e colocado."
A peça já havia sido usada massivamente em outros protestos mesmo antes da pandemia. No ano passado, ela se tornou símbolo dos manifestantes pró-democracia de Hong Kong. "Saíamos com máscaras, mas elas serviam para nos proteger de gás e bombas", explica o ativista Tam Tak-Chi. Muitas eram antitóxicas, não cirúrgicas. E não funcionavam como cartazes.
Em audiência no Congresso dos EUA no último dia 10, o irmão de Floyd, Philonise, estampou três frases na sua máscara: "justiça para Floyd", "vidas negras importam" e "eu não consigo respirar".
Apesar do teor político, a ativista McNally diz que o objetivo imediato da distribuição continua sendo o mais óbvio: proteger os manifestantes do novo coronavírus. "Não queremos colocar a vida dessas pessoas em mais perigo ainda."
Ela lembra que as comunidades negras e de baixa renda concentram casos e mortes por coronavírus de maneira desproporcional nos EUA.
As organizações de que McNally participa estão promovendo treinamentos e distribuindo kits para tentar minimizar os riscos. Levar álcool em gel e tentar manter a distância são algumas das recomendações que, como ela mesma reconhece, não estão sendo seguidas à risca. "Manter o distanciamento social não está funcionando tanto, mas eu vi mais pessoas usando máscaras do que não usando."
No Brasil, a estratégia foi absorvida tanto por apoiadores de Jair Bolsonaro quanto por movimentos de oposição.
"As pessoas estão fazendo máscaras de diferentes modelos, estampas, de clubes de futebol. E nós estamos fazendo com as nossas palavras de ordem", afirma Atnágoras Lopes. Ele é membro da Central Sindical Conlutas, que nas últimas duas manifestações contra o governo distribuiu máscaras em que se lia "Fora Bolsonaro e Mourão" acima do logo da entidade. Só em São Paulo, eles já foram mil peças.
O outro lado também lança mão dessa nova ferramenta. No fim de maio, a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) acumulou mais uma polêmica ao usar uma máscara em que se lia "e daí?" durante sessão plenária da casa. A frase havia sido dita por Bolsonaro dias antes, ao ser questionado sobre o número de mortes pela pandemia.
No Twitter, ela disse que a máscara fora doação de um fã. A expressão, segundo ela, fazia referência a um vídeo que dizia frases como: "e daí que cidadãos de bem estejam apanhando da polícia e guardas municipais pelo simples exercício de seu direito constitucional de ir e vir?".
O presidente passou a usar o acessório no meio de março. Ainda assim, ele não atende a critérios objetivos. Nas manifestações a que comparece, onde há aglomerações, não é visto com o item de proteção.
A atitude de Bolsonaro não foi inspirada no presidente dos EUA, Donald Trump. O republicano não tem seguido a recomendação de especialistas. No fim de maio, afirmou que não usou a máscara em visita a uma fábrica para "não dar esse prazer à mídia".
Outros líderes de direita no mundo seguem a mesma cartilha. Boris Johnson, premiê do Reino Unido, tampouco é visto se protegendo, mesmo após ter contraído o vírus.
Para Jennifer Berdahl, professora de psicologia social da Universidade da Columbia Britânica, a máscara não é apenas mais uma plataforma de protesto. O não uso da peça também é visto como uma afronta pela pesquisadora. "Foi uma reação da direita, em grande parte alimentada por pessoas como Trump, que estavam zombando das preocupações com o coronavírus."
Berdahl usa um de seus temas de estudo para explicar o fenômeno: as relações de gênero. Para a acadêmica, Trump deu o exemplo de que "homens de verdade não usam máscaras". Ela identificou alguns pontos da "masculinidade tóxica", como denominou, que podem se relacionar a esse comportamento.
"Usar uma máscara significa admitir que eu posso ficar doente, estou seguindo as regras e estou ouvindo os cientistas."