O mega-aumento dos combustíveis pela Petrobras fez disparar a expectativa de inflação para 2022 e tem potencial para deteriorar o quadro macroeconômico do Brasil até o fim do ano, num ciclo vicioso de mais endividamento público e pressão sobre dólar e preços de alimentos.
O impacto dos reajustes da gasolina, gás de cozinha e diesel é estimado em 1,5 ponto percentual pelo Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Só isso, sem contar o efeito sobre fretes e transportes urbanos, eleva a estimativa do IPCA deste ano de 6,2% para 7,5% -mas há bancos considerando 8,5%.
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Além dos combustíveis, os alimentos já vêm pressionando a inflação além do esperado, o que tende a ser agravado com a atual alta generalizada das commodities agrícolas e metálicas.
Segundo André Braz, analista de inflação do Ibre-FGV, o maior impacto dos combustíveis será em março (+1,05 ponto percentual), com rescaldo em abril (+0,47%). "Mas isso não leva em conta os efeitos do 'espalhamento' dos combustíveis nos demais preços da economia", afirma.
O aumento da inflação poderá exigir que o Banco Central reforce a subida de juros ao longo de 2022 -e mantenha a taxa elevada por mais tempo no ano que vem.
Só neste ano, levando-se em conta uma Selic média de 12% antes do mega-aumento, o Brasil gastaria cerca de R$ 900 bilhões a mais em juros da dívida pública -o dobro do ano passado. Considerando a estimativa de déficit primário (receitas menos despesas, sem contar juros) de R$ 90 bilhões no ano e o baixo crescimento previsto para a economia, a dívida pública poderá saltar dos atuais 80% do PIB para quase 85% ao final de 2022.
Para José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, o aumento da dívida pública (combinado ao cenário de crescimento baixo ou nulo neste ano) pode renovar pressões sobre o câmbio, aumentando o valor do dólar mais à frente -e pressionando novamente a inflação.
Os juros (e a dívida pública brasileira) podem subir mais considerando que os bancos centrais dos EUA (Fed) e da zona do Euro (BCE) devem elevar suas taxas em ritmo mais acelerado para conter pressões inflacionárias em suas economias -também impactadas agora por preços maiores de gás, gasolina e diesel.
Nos EUA, a inflação em fevereiro atingiu 7,9% no acumulado de 12 meses -maior patamar em 40 anos. Na zona do euro, fechou em 5,8% no mesmo período. Mas os indicadores ainda não captaram o recente aumento nos preços dos combustíveis provocados pela guerra na Rússia ou as novas interrupções nas cadeias globais de produção que o conflito está gerando.
"Não dá para esperar algo diferente disso [mais juros no Brasil e no mundo para conter a inflação]. E não há perspectiva de que as taxas possam baixar tão cedo", diz o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central.
Pastore afirma que, além do choque dos preços dos combustíveis, o Brasil vem sofrendo pressões de alta nos alimentos desde o final do ano passado.
Embora o dólar tenha caído cerca de 12% neste ano (de R$ 5,60 para R$ 5), o que barateia, em reais, as commodities agrícolas, os preços internacionais desses produtos saltaram 20% no período. Na média, portanto, os alimentos (com peso de 21% no IPCA) seguem subindo em reais.
Nesse cenário, a disparada de mais de 30% nos preços de alguns fertilizantes (com produção e exportações concentradas na Rússia) é mais um motivo de preocupação futura para a inflação de alimentos.
Como agravante, a expectativa é que o dólar volte a se valorizar frente o real à medida em que Fed e BCE acelerarem a retirada de estímulos monetários nos EUA e na Europa e passarem a subir juros -atraindo capital internacional para suas economias.
"Boa parte da queda do dólar neste ano tem a ver com a entrada de dinheiro de investidores em bolsa de valores nos EUA para mercados emergentes como o Brasil. Daqui para frente, considerando um cenário de possível recessão mundial e alta de juros lá fora, comprar Brasil não parece mais uma boa ideia", diz Gonçalves.
Nesse contexto, o dólar teria potencial para voltar a subir no Brasil -pressionando para cima também inflação, juros e dívida pública.