A sala é preparada nos mínimos detalhes para evitar contaminação. Nos centros mais avançados, o sistema de ventilação em pressão negativa renova o ar o tempo todo. A equipe é enxuta e está toda paramentada, e ninguém sai ou entra durante o procedimento.
O batimento cardíaco do bebê é acompanhado frequentemente, mais do que seria em uma situação normal, porque qualquer desaceleração pode indicar ele está com baixa oxigenação e, portanto, em sofrimento.
A grávida está sozinha. Nenhuma pessoa é permitida de entrar, e os profissionais de saúde precisam fazer com que ela se sinta acolhida. Algumas vezes, eles mesmos tiram fotos para garantir a recordação e conversam por telefone com a família durante o processo.
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Quando tudo termina, a mãe não pode acomodar o filho no peito. O chamado contato pele a pele, tão importante para a criação do vínculo materno, não pode ser feito nesses casos. O recém-nascido é secado, aquecido e vai imediatamente para o banho.
A amamentação na primeira hora de vida é adiada até que a criança seja limpa, que a camisola e a máscara da gestante sejam trocadas e que as mãos sejam higienizadas, mas pode ser feita sem problemas depois disso, se ela estiver em condições.
É assim que as salas de parto em casos de mulheres com suspeita ou confirmação do novo coronavírus têm funcionado pelo país. Como em todas as áreas da medicina, a doença aumentou a tensão entre obstetras, pediatras, outros profissionais e as próprias mães.
Enquanto ainda não existem estudos suficientes para concluir se o vírus é ou não transmitido na gestação, uma série de cuidados está sendo tomada para evitar a infecção do bebê durante e após o nascimento.
"Todo mundo trabalha num constante sentimento de tensão, preocupação e atenção, principalmente no momento do parto, quando temos a responsabilidade de respeitar ao máximo o momento da mulher, que está sozinha", diz a obstetra e professora Maria Laura Costa, que atua no Caism, hospital da mulher da Unicamp.
Os casos mais graves levam a mudanças ainda mais radicais. Dependendo do estado clínico da mãe, é preciso antecipar o parto ou fazer uma cesárea. As que estão muito debilitadas passam pelo procedimento intubadas e sob anestesia geral.
"Muitas vezes o parto acaba sendo prematuro por dificuldade da condição materna. À medida que a gestação avança, o volume abdominal aumenta, dificultando a respiração [o que pode se agravar com a Covid]", explica Rossana Pulcineli, coordenadora da obstetrícia do Hospital das Clínicas e do Hospital Universitário da USP.
As duas unidades, diz ela, passaram por uma "operação de guerra" para se prepararem para a pandemia. Mesmo antes dos primeiros casos no Brasil, eles transferiram todas as grávidas de alto risco para o HU, que antes só fazia atendimentos de baixo risco.
O HC, então, foi isolado e virou hospital de referência para o tratamento do coronavírus. Foi ali que uma paciente com 31 semanas de gestação (geralmente a duração varia entre 39 e 41 semanas) deu entrada em estado gravíssimo no dia 12 de abril, domingo de Páscoa.
Seu caso era tão dramático que ela não resistiria a uma transferência para o centro cirúrgico, então os médicos decidiram fazer um parto de emergência no próprio leito da UTI. Enquanto uma senhora em outra cama rezava, a bebê nasceu bem e chorando, apesar de estar sedada como a mãe.
No Hospital das Clínicas, conta Pulcineli, algumas mulheres conhecem os filhos por vídeo. Só podem vê-lo pessoalmente depois de duas semanas sem sintomas e, se o pai também está com a doença, a criança continua internada até que alguém possa pegá-la.
A assistente fiscal Ana Paula Guedes, por exemplo, teve que esperar 26 dias para conhecer seus gêmeos. No último dia 5, ela chorou sem parar quando viu os prematuros David e Miguel sendo trazidos pela equipe, que formou um corredor com balões coloridos no hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba.
Uma vez no quarto com os bebês, foi orientada a ficar a dois metros de distância na maioria do tempo. A recomendação é que a mãe amamente, mas sempre com máscara, evitando falar ou tossir e lavando as mãos. Outras opções são extrair o leite ou dar fórmula e soro, mantendo a ordenha da mulher para que ela possa amamentar quando estiver bem.
É importante que nenhuma grávida deixe de ir às consultas do pré e do pós-natal mesmo durante a quarentena. Outra orientação para quem tem os sintomas da doença é evitar partos na água, por causa do risco de contaminação pelo vírus em fezes, sangue e urina.
"Também é bom lembrar que as maternidades têm condições de acolher as gestantes, então a paciente não deve optar pelo parto domiciliar por medo da Covid, mas apenas se for uma decisão dela", aponta o ginecologista e obstetra Ricardo Tedesco, membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
A medicina ainda tem mais perguntas do que respostas sobre como o novo coronavírus é transmitido entre mãe e bebê. "Ainda está tudo muito incerto. A casuística [casos pesquisados] é muito pequena. Tem alguns casos de contaminação, mas não dá para dizer que foi intrauterina", afirma Tedesco.
Diversos estudos estão buscando analisar sangue, leite materno, líquido amniótico, placenta e outras amostras para verificar a presença ou não do vírus. Um dos maiores e mais recentes levantamentos está sendo coordenado pela Unicamp e envolve 19 centros de pesquisa pelo Brasil.
"Vamos analisar a infecção em diferentes líquidos e tecidos biológicos das pacientes com comprovação da doença. Em três desses centros, também vamos tentar coletar durante três meses exames de todas as gestantes internadas, até as assintomáticas, para ver qual é a prevalência da doença", explica Maria Laura Costa, responsável pelo projeto.
Mesmo com as horas a mais de trabalho e a tensão na sala de parto, o retorno, dizem, vale a pena. "É muito pesado ver os casos graves, é mais tenso pelos cuidados que aumentaram dentro da sala de parto, mas você não chega a perder a alegria de ver um nascimento", assegura Rossana Pulcineli.