No salão de beleza de Lucineia Flavio de Souza, 48, na Vila Curuçá Velha (zona leste da capital), o impacto do prolongamento da pandemia e das restrições às atividades pode ser medido pela rotatividade no uso das cadeiras e lavatórios.
Em um sábado, dia de maior movimento, de 90 a 100 pessoas passariam pelas mãos e cuidados de cabeleireiros e manicures. Somente para cortes, tratamentos, tinturas e penteados, havia espera para ocupar as três cadeiras e dois lavatórios. Quase 18 meses depois do início da pandemia de Covid-19, não chegam a 50 os clientes que passam pelo salão no dia mais movimentado.
Mesmo assim, para Lucineia, a sensação é que o pior já passou. A régua das expectativas para o futuro, porém, está calibrada para baixo. "Com o desemprego cada dia pior, e o dinheiro menor, não tem muito como a gente esperar que melhore muito. Salão é considerado um supérfluo." Os dados mais recentes divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), referentes ao trimestre encerrado em maio, apontam para 14,795 milhões de pessoas sem trabalho formal ou informal.
No primeiro trimestre deste ano, a renda média per capita no país caiu 11,3% em relação ao mesmo período em 2020, e ficou em R$ 995, segundo análise da FGV Social em microdados da Pnad Contínua, do IBGE.
A associação do setor de beleza calcula que, desde o início da pandemia, 375 mil pessoas jurídicas tenham sido encerradas em todo o Brasil. A conta inclui empresas de todos os tamanhos e também microempreendedores individuais que, em geral, tem um ou dois funcionários.
Segundo a ABSB (Associação Brasileira de Salões de Beleza), levantamento feito em julho com 200 estabelecimentos mostra que 30% ainda pensam em fechar as portas ou mudar de segmento. São 24% os que estão com pagamento de empréstimos atrasados, e o mesmo percentual está devendo para fornecedores.
José Augusto Nascimento, presidente da associação, diz que agora os salões estão sob pressão de dois impactos econômicos. De um lado, os clientes cortando despesas e com isso, a contratação desses serviços cai. De outro, os que seguem de portas abertas estão endividados.
No levantamento feito pela entidade, 60% disseram ter impostos atrasados, e 32% não estão com o aluguel em dia.
Mais do que as restrições ao funcionamento e a duração dessas medidas, diz Nascimento, pesaram sobre os salões a falta de apoio dos governos federal, estaduais e municipais.
A associação iniciou uma ação civil pública em São Paulo em busca de indenização pelas perdas sofridas com as políticas de controle à pandemia. A partir de março do ano passado, houve fechamento total, abertura com horário reduzido e limitação à capacidade. Desde o dia 17, não há mais restrições.
"Não queremos brigar com ninguém, mas queremos contrapartida. Como um salão vai pagar IPTU sem faturamento? Não adianta apenas parcelar", diz o presidente da ABSB.
A primeira semana sem restrições ainda não trouxe mudanças na rotina do cabeleireiro Cristiano Cassiano, 33. "Não tem como aglomerar clientes, porque não tem movimento suficiente para isso. A gente percebe que o poder aquisitivo caiu muito e esse é um dos primeiros gastos a serem cortados", afirma.
Cristiano conta ter visto muitas clientes adotando soluções domésticas para o que antes era feito no salão. "Mesmo quem voltou, vem para fazer coisas mais tecnicamente complicadas, como progressivas [procedimento químico para alisar os cabelos]. Até corte tem gente arriscando."
Lucineia diz ainda que muitos clientes acabaram abandonando, durante a pandemia, procedimentos que exigem manutenção frequente, tanto para economizar quanto para evitar permanências longas no salão.
"Ficar loira não é barato, então muita gente voltou para a cor natural, outras assumiram os brancos. Quem retocava sempre a progressiva aproveitou para fazer a transição para o natural", diz.
Nascimento, da associação dos salões, diz que 60% dos estabelecimentos ainda têm profissionais atendendo diretamente na casa dos clientes para driblar o medo de exposição ao vírus.
Segundo a consultoria Kantar, em 12 meses até março, o consumo de produtos na categoria beleza caiu 25% na América Latina. No Brasil, maquiagem (-38%), depilação (-24%) e perfumes (-15%) foram os que mais sofreram retração. Por outro lado, cremes e loções passaram a ser mais consumidos. Na classe C, esses produtos entraram na cesta de compras de 1,2 milhão de novos lares.
Para driblar a queda no faturamento, os salões têm investido em pacotes, promoções e inovações. No salão de Lucineia, uma pequena boutique ajudou a manter as contas em dia enquanto a clientela não voltava. A venda de pacotes de serviços com 30% de desconto também ajudou a fazer caixa para a reabertura.
Juliana Souza Pires, 48, diz ter feito "de tudo um pouco" para manter o relacionamento com clientes do salão que tem há seis anos na região do Morumbi (zona oeste da capital).
No período mais rígido de fechamento, lançou uma linha de produtos para cuidados em casa, com um rótulo do salão. "Levava na casa das clientes. O logotipo era um jeito de não esquecerem de nós", diz. Também fez campanhas de doação de alimentos para as funcionárias.
Atualmente, conta Juliana, as contas já estão empatando. Com cerca de 80% do movimento do pré-pandemia, a sensação é que as coisas vão melhorar. O ano de 2020 foi pior. Com o início da pandemia, um desentendimento com o dono do imóvel exigiu a mudança para um espaço novo.
"Ainda não está tudo em ordem. No ano passado, além de todos os encargos, tivemos o imprevisto de precisar mudar. Tive que fazer um empréstimo para pagar outro empréstimo. Agora estou no zero a zero."
Para chegar ao equilíbrio contábil, Juliana adotou pacotes com descontos e promoções. No mês de aniversário do salão, as clientes ganham serviços e até vales para restaurantes e pizzarias na região. A estratégia é adotada para driblar as resistências da clientela.
"Sinto que o perfil da cliente mudou. Aquele que vinha toda semana e gastava sem perguntar já está mais cuidadoso. Os pacotes fazem com que a cliente venha com mais regularidade."