Há décadas interligadas, música e moda ditam tendências e trazem estilo das periferias para todo Brasil
Passando por hippies e punks, bossa nova e pelo grunge, estilos musicais muitas vezes extrapolam o universo sonoro e são utilizados como símbolos de identidade. Não poderia ser diferente no Brasil, onde um fenômeno que vem se fortalecendo já há alguns anos é o da periferia como expoente de tendências de moda.
A influência ainda hoje vem da música: MCs, rappers e trappers cantam, se associam e vestem marcas de luxo. No Brasil, o fenômeno da periferia como exportadora de estilo ganhou grande força nos anos 2010, com o sucesso do chamado ''funk ostentação''.
Em um esforço em enaltecer a cultura da favela, os estilos que lá surgem e se orgulhar de sua origem, cantores de funk passaram a cantar sobre sua vida cercada de artigos de luxo. Carros, joias e grifes de sapatos e vestuário passaram a estar cada vez mais presentes na boca do povo, através das canções do funk ostentação.
Em uma época de relativa ascensão social, a possibilidade de acesso a muitos itens que antes eram do consumo apenas dos mais ricos abriu caminho para o funk ostentação. O gênero ainda contava com uma linguagem audiovisual proprietária: foi a partir dali que as grandes produções de videoclipes de funk se iniciaram, com cenários grandiosos, efeitos de gravação inéditos, uso de drones, outros métodos avançados de filmagem e, claro, a presença de carros e motos de luxo.
A partir daí, a periferia do funk começou a ser um exemplo no mundo da moda. O estilo proprietário das favelas começou a ser visto de maneira diferente, tornando-se referência e gerou um movimento reverso – antes, ditada pelas elites, a moda não podia ser consumida pela população da periferia. Agora, nascendo da periferia, mesmo com artigos de marcas de luxo, ela é recriada pela população mais rica.
Além do funk, o rap no Brasil tem ganhado grande relevância não só como gênero, mas como lançador de tendências. Com origem no hip hop norte-americano, o rap é responsável por inúmeras características do chamado street fashion, ou, em português, ''estilo das ruas''. As mais famosas grifes do gênero ainda contam com a cocriação de artistas para seguir lançando linhas relevantes de produtos – Pharrell Williams, Kanye West, Childish Gambino e até Anitta já assinaram linhas junto a grandes marcas.
A cultura da periferia ganha relevância
Nascido nas periferias de Nova Iorque, o hip hop como influência na moda teve origem quase junto ao próprio gênero musical. Na década de 1980, pouco depois do nascimento do hip hop no Bronx, um estilista do Harlem, chamado Dapper Dan, ficou conhecido por sua loja Dapper Dan’s Boutique.
Dapper confeccionava suas próprias peças e acessórios e inseria manualmente logotipos falsificados de grandes marcas.
De fato, rap e moda são inseparáveis. Mas muitas marcas, movidas pelo preconceito à cultura da periferia, ainda procuraram se desassociar dessa cena. Uma das primeiras grifes a abraçar a cultura do hip hop foi a adidas, que em 1986 convidou o grupo Run-DMC para gravar uma música e um videoclipe para a marca. No clipe, os integrantes do grupo usavam calças e shorts adidas, além de apresentarem um novo modelo de tênis, criado pelos designers da adidas especialmente para esse público.
Desde então, artistas e seguidores da cultura do rap seguem lutando para exaltar a cultura da periferia, através da moda – e deu certo. Hoje, não só o rap, mas o funk e o trap são grandes referências de estilo, e a moda originária dessas culturas extrapolou as barreiras da periferia para se tornar objeto de desejo universal.