Bastaram 15 dias dentro de casa, em isolamento social, para Teresa Marcon abandonar de vez o sutiã. Acostumada aos modelos com aro e bojo, a estudante de museologia de 29 anos aproveitou uma frente fria que atingiu Curitiba, onde ela mora, para mudar a gestão do seu guarda-roupa.
"Adotei o moletom para sair com os cachorros e, com isso, parei de usar o 'querido'", lembra Marcon, se referindo ao sutiã. Ela também aposentou sapatos de salto e sapatilhas e diz que a atitude lhe trouxe principalmente liberdade.
"É claro que às vezes no mercado eu me sinto incomodada com alguns homens que aparentemente não saíram da puberdade e ficam olhando", diz. "Mas essa libertação, e talvez o uso da máscara me deixe mais forte nisso, também me ensinou a perguntar se eles perderam alguma coisa nos meus peitos. É ótimo, recomendo".
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No armário do fotógrafo paulista João Paulo Mantovani, 39, por sua vez, quem acabou em uma gaveta escura foram as camisas, tênis, e as cuecas. "Elas foram sem dúvida as maiores esquecidas da minha quarentena", diz.
A decisão aconteceu logo no início da pandemia, ele conta, e de maneira natural.
"Não precisei pensar. De repente, não buscava mais cuecas. Não uso porque quero mais comodidade, até porque em casa posso ficar mais à vontade. A sensação é de liberdade total, um misto de regressão com evolução", brinca.
Para a historiadora e professora de moda na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e na Faculdade Santa Marcelina, Maíra Zimmermann, 39, é difícil prever se os reajustes na forma de se vestir vão durar até depois que o isolamento social acabar, mas é possível que este período ponha todo mundo para pensar sobre autoimagem.
"Talvez a pandemia traga para alguns uma aceitação, uma conscientização de que não existe essa necessidade de estar produzido o tempo inteiro. A questão da construção de uma visualidade é sempre uma relação com o outro. E, quando estou tendo menos essa relação, talvez eu fique dentro daquilo que me é mais confortável", explica.
Zimmermann imagina que tudo que demanda tempo na "produção" diária pode vir a se modificar, caso de maquiagem e roupa.
"A gente vai repensar essa persona social. Ou não, de repente vem uma onda em que pensamos que ficamos tanto tempo largados que vamos querer sair na rua como gostamos de aparecer nas fotos".
Para a professora, os impactos serão distintos nos diferentes públicos dependendo principalmente do estilo de vida e da profissão de cada um, com a formalidade exigida em cada campo. É mais ou menos o que também imagina Fernanda Feijó, gerente geral de estilo das Lojas Renner.
"Como as pessoas têm lifestyles diferentes, na retomada das atividades vemos matérias-primas como o moletom e fits sendo adaptados aos diferentes estilos, e não necessariamente as pessoas todas se vestindo de forma casual", avalia.
Em março, logo no início da quarentena, a Renner criou uma coleção especial, além das peças que já estavam previstas no calendário, com itens como moletons, tricôs, vestidos e macacões amplos, conjuntos e pantufas. A campanha foi fotografada com os funcionários em suas casas.
Os moletons são atualmente a peça mais vendida na C&A -antes da pandemia, eles ocupavam a quarta posição no ranking. A loja estima que sejam comercializados aproximadamente 50 moletons por hora.
"Desde o início da quarentena, notamos um aumento muito expressivo nas buscas por itens da categoria comfy, de produtos confortáveis como moletons e pijamas no nosso site", diz Mariana Moraes, gerente sênior de marketing da C&A Brasil. As compras de pantufas da marca, por exemplo, ultrapassaram a margem de 5.000%.
As peças em ambas as lojas continuaram a ser vendidas normalmente, mas com preferência pelas peças mais confortáveis, sem os tais aros e bojos. Para a professora Maíra Zimmermann, abandonar de vez a peça, mesmo depois que a rotina fora de casa for reestabelecida, vai depender de cada mulher, não havendo um indicativo de tendência sobre o assunto.
"Acho que essa ideia de que todas as mulheres não se sentem confortáveis com sutiãs não é unânime, até porque mulheres que têm seios grandes precisam desse suporte inclusive para não ter dor nas costas, ou quando fazem exercícios. Vai depender muito das necessidades individuais", entende.
Zimmermann lembra que há mulheres que trocam -e isso já antes da quarentena- sutiãs tradicionais por tops, ou mesmo por peças de algodão mais confortáveis.
"Tem meio que uma idealização da ideia do não uso do sutiã. O melhor é usar se quiser, não usar se não quiser. A ideia de conforto feminino difere de mulher para mulher, e não existe um conforto único".